(hoje, o meu filho está particularmente inspirado)
Fui ler a historinha ao meu filho. Reparei, pelo canto do olho, que ele não estava a olhar para o livro. Por hábito, e porque o notei desatento às letras e às imagens, parei e olhei para ele. Estava a olhar para mim. Com aqueles olhos grandes por onde lê e se dá a ler.
"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"
Olhei-o nos olhos, sorri-lhe e li-lhe o resto da historinha.
"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"
Desvendou-me a essência em meia-dúzia de palavras. Há exactamente sessenta e quatro meses que a cara dele está nos meus olhos. Há exactamente sessenta e quatro meses que nos olhamos nos olhos. Faz hoje sessenta e quatro meses que a minha mulher e eu nascemos de novo.
"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"
Há coisas do arco-da-velha. Esta frase, longa-metragem das minhas sinopses diárias e redondas, saiu-lhe hoje.
Logo hoje que (ele não sabe) nos encontramos numa encruzilhada para onde não caminhámos mas para onde nos arrastaram.
O meu país já não se chama Portugal. Há exactamente sessenta e quatro meses. Disso já suspeitava, que um país é feito a cada dia por quem o faz e por quem o deixa fazer. E Portugal deixou-se ultrapassar pela direita. Pela direita. Mudou de ser, mudou de título. O nome do meu país é outro.
"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"
Faz hoje sessenta e quatro meses.
Não haverá bruxas, apesar de as haver, de as haver.
Já não há países sem Inc. a seguir ao nome.
Mas há filhos e há mães e há pais.
"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"
Mania esta que os adultos têm de complicar o que é simples. E toma e embrulha, Morpheus. "What is real? How do you define real? If you are talking about what you can feel, what you can smell, what you can taste and see, then real is simply electrical signals interpreted by your brain." [Morpheus, The Matrix]
Tenta antes isto.
"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"
Isto sim, é real.
Descansa, meu menino. A mamã trata de tudo e vai-te aconchegar à caminha. Não te preocupes com o frio, com a fome, com os velhos, com os putos e os pardais. Descansa, meu menino. A revolução faz-se sozinha enquanto tu dormes, enquanto tu sonhas sonhos húmidos.
Amanhã, meu menino, vais acordar do lado dos bons. Sejam eles quem forem. Trocas de camisola num instantinho. Vais ver, meu super-homem. Vais ver. Que camisolas às cores não te faltam no roupeiro. E a cabina telefónica está mesmo ao lado da sanita.
Nasceste na situação!, a tua revolução é mera adaptação ao que te derem pelo biberão. Se for leite, tu engoles. Se te derem merda, tu mamas. Enche mazé o teu quarto com os símbolos do inconformismo da moda, mas compõem-me bem o nó dessa gravatinha antes de saíres de casa. Dessa gravatinha que até nem usas por cima da camisa aberta que te desvela o peito depilado. Aí se encerra toda a tua luta. No nó dessa gravatinha. Dessa corda na garganta que usas no cérebro. Que há ser e parecer. E tu, meu menino, nem és nem pareces. Não te preocupes com coisas de somenos. A mamã trata de tudo e vai-te aconchegar à caminha.
A tua revolução são as punhetas que bates a olhar-te ao espelho. Ai que linda que é essa tatuagem do Che. Essa borboletinha a tinta-da-china. És uma tatuagem, meu menino. Não passas de tinta enfiada na pele. Um, dois, três, quatro, cinco. A quina dos dados, o prisioneiro na sua cela. Ai meu rebelde, que ainda me mijas a cama.
A tua revelação fez-se numa loja de piercings, o teu contributo para a revolução é dizer pedra e fazer papel.
Golo!, catano, foi golo! Isso é que interessa, que as tuas camisolas – vai camisola, corre camisola −, que as tuas camisolas não se deixem ficar. E que ganhem. E tu lá estás, sempre!, de cu no sofá, com as mãozitas dormentes a amaciar-te o…, pois, meu menino, anda cá que a mamã muda a fraldinha. Anda cá…
Mudar as coisas é isso mesmo, ir para a televisão dizer cobras e lagartos e votar depois nos lagartos e nas cobras. Porque to mandam e tu obedeces de sorriso no cu e revolta nas palavras. É o partido, pá!, é o partido. A gente compreende, catano. Basta meteres um pá! entre cada palavra e a gente não se vai esquecer de ti.
Não te canses, meu menino. És o 007 destes dias de espuma. ORDEM PARA SIMULAR. E aposto que fodes aquela, que enrabas aquele. Meu que…ri…do menino. És uma puta que vai a todas; seres homem é teres nascido homem. Ou mulher. Tão-só. Tão só…
Dás o cu e cinco tostões para que não te aborreçam na convulsão do teu viver. É preciso é que não se note! Descansa, meu menino. A mamã trata de tudo e vai-te aconchegar à caminha.
Não apareças nunca, ca malta compreende, ‘tá frio e tu tinhas um jantar marcado. Quando chegar a hora que vai chegar, o povo chama-te à rua para ires à frente de bandeirinha.
No cu.
[´tá bom, mas ‘tá forte, olha que ainda perdes o emprego. Troca mas é cu por rabo, foder por fazer amor. Olhó partido, pá. O teu chefe ainda te des!pe!de!. Eheheheheh… Malcriadão, és mazé um malcriadão.]
Sabes?, como diria o outro, o outro das costas largas, é preciso é animar a malta. E tu animas a malta. Tu és a malta.
Vamos lá agora ouvir outra vez o FMI do Zé Mário e escrever um cena assim tipo; és um mata-borrão que chupas tudo o que te dão. Ainda me lembro, aqui há quinhentos anos, quando fui ver um filme do jimbo, do dos doors, porra, esse. Era Lisboa, e tu mijavas no autocarro marcando a tua diferença. Que grande revolução a tua, podre de bêbado a mijar num autocarro. E o pessoal batia palmas, e eu escarrava-te nas trombas.
A revolução dos borrachões. Vivó vinho, catano. Quantas revoluções fez o vinho? Hum? Ó candeeiro do catano que me insultas. Não me fujas, tu e aquela traidora de franjas.
Vamos agora ser rebeldes à séria. Bute lá?
Tipo, vamos arriscar bué. Dizer bué é já bué da revoltante, é ou não é? Revoltante, revolta, revolução, meu menino. És agora um revolucionário.
Hoje já não é PREC, hoje já não é ‘79, hoje já não é Eça, nem Ramalho. Camilo foi preso por comer uma gaja casada. Na tua mente. Eles estão na tua cabeça (ora vamos pôr aqui um pá!), Pá!
Hoje é esta merda em que não ousamos, em que temos medo, medo de perder o emprego, medo de tropeçar, medo do medo. Acagaçaste-te, meu menino?, anda cá e toma lá a maminha, para descansares. Relaxa, meu queridinho. Fazes o que podes e a mais não és obrigado.
O CARALHO!
Somos obrigados a dar o que temos e o que não temos pela mesma razão que damos o que não temos a estes filhos-da-puta que nos governam. E mais a quem manda neles, cambada de microfones.
Ora vamos lá, então, custe o que custar.
Vendes o teu filho por 30 moedas, meu cabrão. Vamos a isso.
Mamas num pais de vendidos e vendes a tua esquerda pelas mamas que te oferecem. Chupa daqui, chupa d’acolá. Se for pila também lá vais, que o partido, … ai o partido, o partido assim to ordena. Tudo pelo partido, porra! Afinal, és militante. Militas. És um militar, um guerreiro! o guerreiro dos peidos.
Ca gaja é boa e as bandejas de prata cheiinhas de pó de ouro circulam desvairadas, nessas festas pequeno-burguesas onde desbundas. Vamos fazer uma revolução, ó rainha dos abortos? Quem fez mais abortos aqui? Tu gaja!, tu aí! Dez? Em vão de escada feita clínica de Badajoz? Ah catano! És uma queen! ‘pera! Vinte prá senhora do fundo. Perdeste. Lamento… Devias ter usado menos preservativos.
Como será fazer uma revolução duma torre de marfim? Está vossa excelência bem sentado? Tem vossa excelência a certeza? Vamos então soltar as garras. Aperta o cinto, meu menino rebelde. Tira a cuja da algibeira e faz por tirares essa bandeirinha do cu, que as mudanças fazem-se de canhão ao ombro.
A coisa é assim. Somos neste momento governados por um gajo que nos afiança que o quá-quá-quá-tôrze vem antes do quinze. E depois temos o fantoche que é manobrado por outro fantoche. Além da Troika, é preciso é ir além do que nos exigem. Além da Troika, forever, meu bom menino, meu bom aluno. SOMOS OS PRIMEIROS. Eta conquista.
estou nu. tiraram-me tudo. a honra, a galhardia, essas coisas de somenos que te faziam homem. Mudei de sujeito, bem sei, que eu estou a escrever isto enquanto respiro, … E TU NÃO! o poeta que me perdoe o roubo. foi sem violência; é furto!, diz o meritíssimo. foi roubo, redigo eu, que o que nos estão a fazer é à porrada. não sei bem quantas já levei, mas sei que as levei. os meus olhos negros assim mo dizem. que eram castanhos, da cor do mar, que o mar é da cor dos olhos de quem o olha. e nós somos de vista castanha. coelho é um biltre. relvas um cangaceiro. gaspar um salazar. ha…ha…zuis…
E nós vamos andando, devemos ser o único povo do mundo que não anda. Vai andando. Numa passadeira que rola da frente pra trás, sem sair do mesmo sítio. Cá estamos. Está frio. Está calor. O benfica perdeu. O que tem de ser tem muita força. Agora chove. Agora não. Tempo da merda, sempre ao contrário [aí não chegas tu, boche]. Estou constipado, perdão, resfriado. Já me esquecia do decreto das letras. Um veado é um paneleiro. Acordo-Ortográfico, vénia. Fresco é maricas. Acordo-Ortográfico, outra vénia. Rapariga é puta. Acordo-Ortográfico, venha mais um torcicolo. Vénia!
Mas − agora sou EU − que estou para aqui a ladrar? As sondagens dizem-te que sim. ‘beg your pardon; tu és as sondagens. E o telefone toca e eu digo que sim. Não me aborreçam. Claro que estou contente com o governo. Claro que a oposição é seguro. Porra que não me enganei no género. Uma oposição seguro, Acordo-Ortográfico? Vénia!
Não me arrombem mazé a porta, que me custou muito dinheiro. Batei ao de leve que eu visto o roupão e vou de mansinho. DELITO DE OPINIÃO, Sôtor. Vou mas é a porra!, que primeiro tendes de me apanhar vivo. E se se metem com os meus, estouro-vos os miolos. Tenho ali uma fisga comprada nos chineses. Assim toda direitinha e lambuzadinha. Sonho de criança.
PORTUGAL. Quando foi a última vez que o viste? Eu ainda agora o fui deitar. Nos olhos do meu filho o vi. E por esse reflexo farei o que for preciso. O meu filho de quatro anos, a minha vida. Se depender de mim – e de pai pra filho assim é −, vais viver num país que nunca vi. FILHO! Num país que vivi em sonhos. Vais ser português, assim como não te baptizámos. Português-de-terra, homem de olhos castanhos, assim grandes e da cor do mar que vejo daqui, que é a cor das duas serras que NOS rodeiam. Estrela e Guardunha. Guardunha, assim mesmo. Bom adamastor que GUARDA O MEU FILHO. Nesta cova profunda à beira do abismo. Não vais cair.
€les não chegam cá, custe o que custar, doa a quem doer. No Fundão mandam os que cá estão! e se for preciso peço reforços ao Carvalhal. Não ouses, dâmaso.
Coelho, isto é assim. Vai ser assim! Não pago o teu imposto sobre todos os impostos. Não me submeto aos teus donos. E tenho comigo a força da minha avó, que me ensinou esta forma de ser. Não consegues bater nela, que ela já vive além. Onde os coelhitos não chegam.
Listen to the music…
N.Ã.O. H.Á. D.I.N.H.E.I.R.O.
“The killer awoke before dawn, he put his boots on
He took a face from the ancient gallery
And he walked on down the hall”
The end.
Diénde o caralho. Que ainda tenho umas coisa para vos dizer, ó gentes. Nesta das mais nebulosas coisas que as dentaduras pariram.
Não sou poeta; não o sei ser. Não faço prosa nem escrevo romances; qualquer hipermercado avaliza estas minhas palavras. Ide lá e vereis. Não me vereis (ó pra mim cheio de inveja, recalcamento puro, que o meu sonho é ver-me escrito ao lado de um rolo de papel para limpar o cu).
Sou apenas um homem ocupado. Um homem sem sono, mas que dorme a sono solto porque de consciência tranquila. Aqui não chegam os vossos cobradores, mesmo porque não devo um pentelho a ninguém. Mas há quem deva sem nada ter feito por isso. Uma mulher, um homem, dois filhos. E depois veio o desemprego, o acordo de cavalheiros. Veio a ponte, que a casa que era minha já não é. Nunca foi. E EU ABUSEI, CARALHO? Eu? Eu que trabalho de sol a sol? Eu que dei o coiro? Fui eu que abusei?
Perdeu a vida e por vergonha MATA OS FILHOS, OS NETOS, A MULHER. Convencido que é o culpado. Mata o cão e piriquito. És mazé um cobarde de merda, que nem coragem tiveste para estourar os miolos. O inferno. Legião. Não te desculpes com o banco, poltrão. Não te desculpes com a natureza de quem se quer inteiro e por isso mata O FILHO. Mas não tem tomates para dizer NÃO. Custa, não custa, tropeço de gente?
Levanta-me essas nádegas de porco do berço!, meu menino! A mamã já se foi. Estás entregue a ti próprio. Não faças como aquele, faz-te homem. Faz-te à vida. CORAGEM! Não ta estou a desejar, meu cobardolas, menos ainda a embalar, ó medíocre existência. Estou tão-só a dizer que estou farto dos teus ganires, dos teus queixumes. Chorinho é bom se levar flauta, violão, cavaquinho, pandeiro, clarinete, bandolim e trombone.
És o único culpado, não descarregues nos energúmenos em quem votaste, nos vermes a quem não tiveste tempo para ir dizer não. Porque havia jogo da bola em castelhano. Porque estava calor, porque estava frio, porque estava calor e frio.
Tudo TE serve de desculpa para desculpares o teu existir sem dentes, sem unhas. ÉS UM VERME!
Até eras gajo para escrever uma merda destas, assim te garantissem que nada de mau te aconteceria. Mas tua andas pela sombra das sombras. es…con…di…di…nho.
Piegas de merda, que mereces a zombaria de quem assim te chama. Era uma vez um coelho que era amigo de um bambi a quem mamã morreu. We are the world, we are the children... E violinos e o caralho. Tenho tanta peninha de ti!
Deixa-te de merdas, faz pelo Abril que os teus pais te deixaram. Faz pelo Abril de quem deu a vida para que eu pudesse estar aqui a escrever estas afrontas à mãe-troika. Contigo a ler-me!, à sorrelfa e com o indicador pronto pra mudar o ecrã para o sítio das gajas nuas. Que quem vê gajas nuas é homem, que quem vê gajos nus é mulher (raispartam nesta língua que é a minha vida mas é a modos que pró machista e me quebra o ritmo, me enfeia a escrita e me quebra o raciocínio).
Tens duas opções na vida. Ou fazes por ti, com aqueles unanimismos mentirosos ditados pela disciplina, ou fazes por ti e pelo teu filho. OU FAZES PELO TEU FILHO. Afinal, eram três.
Que também tu tens futuro, lamento ter que to dizer, lamento ter de apelar ao teu egoísmo para te pedir para fazer de conta que és gente.
No que me toca, e a uma semana de a ternura me acolher, estou aqui. Por mim, pelo meu filho, pela minha mulher, pelos meus pais, pela minha irmã, pelos meus amigos que têm sangue igual ao que me corre no ventre-útero.
Que sim, que também eu, homem de nascença, tenho útero; que, bicho-feio ou bicho-lindo, o que acabaste de ler foi por mim parido.
Vou dormir descansado.
Desejo-te o mesmo a ti, que no que depender de mim o teu futuro vai ser risonho.
Descansa, meu menino. A mamã trata de tudo e vai-te aconchegar à caminha.
Agora vê lá mas é se me mandas para o caralho, vê se te revoltas pela forma como te trato. Verme abaixo de verme. Vê se deixas de ter medo.
Não é por mim, não é por ti e pelas tuas palminhas, é mesmo pelo teu filho. Se chegaste até aqui insultado, fodido, com vontade de me bater é porque valeu a pena.
Valeu a pena. Excluo-TE a TI, AMIGO, tu que lutas sem medo e vês neste meu caminhar lunático algo parecido ao teu caminhar.
Comecei a escrever para mim, para que não me esqueça. Acabei porventura a dizer mal de ti, mas se tal carapuça se te entalou cachola abaixo o problema é só teu.
Descansa, meu menino. A mamã trata de tudo e vai-te aconchegar à caminha.
Descansa, que a malta trata do resto.
É preciso é que não percas o sono.
Descansa!
Beijinhos.
[que força é esta, amigo?]
Imagem: Makrobius (obrigado, Liliana)
No âmbito do Ciclo de tertúlias "OUVIR E FALAR", organizado pelo blogue Pegada (http://pegada.blogs.sapo.pt/), vai ter lugar, no próximo dia 31 de Março, pelas 21 horas, na Praça do Município do Fundão, a “I Tertúlia pela Democracia e Cidadania” (caso as condições climatéricas não o permitam, o evento decorrerá no Casino Fundanense, sito na mesma Praça).
OUVIR E FALAR.
Aberta a toda a população, a Tertúlia terá como temas de discussão e reflexão a Democracia, a Liberdade e a Cidadania. A ideia é tão simples que dá ares de complicada. Como todas as pedradas no charco, primeiro estranha-se, depois entranha-se. As regras são tão singelas que podem passar por inexistentes. Resumem-se ao nome do evento "OUVIR E FALAR". Pela DEMOCRACIA, LIBERDADE e CIDADANIA.
Passar das conversas de café para uma, espera-se, grande conversa de RUA. Um grupo de amigos (e de amigos de amigos) que se reúne, numa Praça, em várias Praças, para conversar. Sobre o que nos atenta. Sobre o que não mata mas mói. Pisa, mastiga, importuna, cansa. E − também os ditos se renovam − mata!
Não temos partido, mas tomamos partido.
A primeira Praça a receber-nos será, pois, no Fundão. Seremos dez, seremos cem, seremos duzentos. Pouco importa. Acima de tudo, seremos.
Estamos indignados, mas não somos indignados.
Em suma, e tudo se resume ao dito no início. OUVIR E FALAR.
Platão certificou que “o preço a pagar pela tua não participação na política é seres governado por quem é inferior”. Hoje mais que nunca estas palavras gritam de significado.
Sem pieguices.
Contactos
Pegada: www.pegada.blogs.sapo.pt
Mail: pegada2011@gmail.com
Grupo no facebook: http://www.facebook.com/groups/ciclodetertulias/
Evento no facebook: http://tinyurl.com/ciclodetertulias
"(...) é escandaloso e uma grave quebra dos padrões jornalísticos", dizem os boches disto. E os boches têm razão; bons, bons eram os padrões jornalísticos aqui há coisa de oitenta anos. Mais judeu, menos judeu, a verdade era sempre desvelada. E aquelas conferências de imprensa? "Hoje abrimos mais uma vala comum que se revelou suficiente para albergar todos aqueles sub-humanos". Mas, caramba, estou a ser injusto e escandaloso, que oitenta anos é uma eternidade e o que lá vai lá vai. Há mas é que pôr esse holocaustozinho para trás das costas. Eles hoje estão diferentes. Já não querem dominar a Europa à custa de tais métodos, que o gás está pela hora da morte (ups, esta foi involuntária). O gás dos tempos modernos assume outras formas, como ontem bem se viu.
Haja vergonha, haja decência, haja memória. Haja espinha, raspar, haja espinha, que quando te dobras daquela forma estás a vergar-te em nome de um país que não conheces e não representas. E sabes que mais, vedor da fazenda?, para a próxima não digas "agradecemos muito". O plural, ainda que majestático (wishful thinking...), não te é permitido.
Se prestarem atenção, ouvirão uma coluna vertebral a partir-se
Do lado da tragédia: Vítor Gaspar, ministro português das finanças
Do lado da farsa: Wolfgang Schäuble, ministro alemão das finanças
(imagens TVI)
Desafio: peguem em Espanha e tirem-lhe 30 anos de Garzón. Resultado? Um Portugal em "grande". (caramba, que o PP espanhol trabalha rápido)
Essa anedota da meia-hora de trabalho a mais, a ir para a frente, vai dar num fartote de produtividade tal que há mesmo que ter cautela com o superavit que nos vai cair em cima, não nos vá rebentar algum tímpano ou isso por causa da diferença de pressão. Deste arremedo para boche ver virá apenas isso mesmo. Uma ridícula vénia macaca de uma voz ao respectivo dono. Os "mestres do privado" guiam-se pela bitola do público; só podia dar merda.
Eis, pois, a medida mais idiota deste governo marioneta, ex aequo com umas dezenas de outras. A começar pelo lamber dos tomates à igreja, pontuado (pentelhado?) pelo fim de dois feriados marcantes em vez de acabar com duas tangas beatas que nada podem significar num Estado Laico. Essa da igreja ter chegado a acordo, então, é demais para mim. Pura e simplesmente não concebo, não aceito e essa merda não pode ficar assim. Mandam o 5 de Outubro às malvas por causa de uma espécie de mênstruo esquisito? "Não é o que tu pensas, José!"? Chocam-vos, as minhas palavras? Pois assim mas dita a vossa acção.
A placa reflecte o lugar lá fora, prestes a ver encerrada a sua Casa Grande, inaugurada em 1994. A Justiça, essa, buscar-se-á alhures ou na ponta de uma faca. Entretanto, assomam-se-me umas dúvidas. Será que a senhora ministra vai aparecer na sessão de encerramento? E que bandeira cobrirá a placa comemorativa? Que cor tem o fim?
Força, farsolas, diz-nos com que mais palavras queres construir o teu futuro. Os latidos são teus, a jogada será sempre nossa. E não dobres tanto a espinha perante os teus donos, piegas, que ainda te negam o visto. A propósito da imagem -- nem falo mais na postura, que é a tua cara --, que raio fizeste à cremalheira? Engoliste-a? Só a usas para morder nos fracos? Olha que os boches ligam muito a isso dos dentes; ainda aqui há coisa de 80 anos tinham uma predilecção pelos de ouro. Arrancados a judeus gaseados
Não aprecio o personagem, confesso, mas isso não me impede de dizer que assino por baixo da sua atitude de repudiar o Novo Acordo Ortográfico no CCB. Falar, como eu aqui estou a fazer, é fácil; concretizar, desafiar e resistir no terreno são outros quinhentos. Não reconheço legitimidade a este NAO imposto por decreto. Considero-o um golpe de estado linguístico e um atentado à cultura portuguesa, recheado com um rebaixamento luso a interesses que desconsidero e que por isso rejeito. Se isso for motivo para mostrar a porta da rua a VGM, pois seja. Marcou um ponto importante na reconquista do que é nosso e nos querem tirar. A desobediência civil não é sinónimo de acto terrorista. Lutar contra uma lei absurda é um dever cívico. Neste caso, VGM talks the talk and walks the walk. E vocês? Resistem à ignomínia? Ou submetem-se ao ridículo?
Durante os tempos da Guerra Fria era voz corrente dizer-se que a haver uma terceira guerra mundial a quarta seria à pedrada. Entretanto, o muro caiu e o ambiente bélico à escala mundial (que não regional, entenda-se) foi-se desanuviando.
Só na aparência, porém. Tristes os que se orientaram por tal sol enganador, enquanto a teia-mãe era tecida a régua e esquadro pelos de sempre com a ajuda dos cegos, surdos e mudos de serviço. Sem ponto de fuga e pegajosa como nenhuma outra. O bicho-homem, esse avesso ao sol, não iria permitir jamais que aquele de clarão, ainda que de luz-vesga, durasse muito. Fazia parte do plano traçado nas linhas do inevitável e inconsequente, aliás.
Neste momento estamos na iminência de ter duas guerras mundiais ao mesmo tempo. A terceira, que tem sido alimentada, ano após ano, pelos tais conflitos regionais, e que agora se arreganhou com o zénite do capitalismo selvagem, empurrado escada acima pelo neoliberalismo que a desagregação e pulverização das esquerdas permitiu; a terceira, dizia, já é nossa conterrânea e contemporânea, encara-nos e escarra-nos a cada respirar. Países como a Grécia e Portugal estão já ocupados pelo IV Reich, coisa eufemisticamente chamada de "tentativa de evitar a falência do euro". De resistência à seria nem se ouve falar, que o inimigo é por demais inteligente, mascarado de muitas caras e demasiadas vozes e com ainda mais kapos locais em cada posto territorial. Palavras aparentemente inofensivas, como défice, troika e governos cooperantes, lograram criar cercas de arame farpado invisíveis que nos impõem algo como "uma casa, um campo de concentração". Uma fabrica, uma escola, um hospital. Aí nos concentram. Aí nos arrancam os olhos e a língua, nos furam os tímpanos. Um país vendado e vedado pelos muros para cujo betão é obrigado a contribuir, sob a capa do "só assim melhores dias virão". Virão, sim, mas para os de sempre. Os eternos algozes da humanidade, que pé-ante-pé foram entrando, cercando e fazendo morrer em vez de matar às escâncaras.
Falava na coincidência de duas guerras, com adversários e aliados cruzados e entrelaçados, de forma a que, de bibe-sem-cor vestido, aniquilam os prós e os a favor, cegos pela ira e pela estupidez da ganância dos sem-país. O quarto conflito mundial, prestes a entrar em cena e que não chegará a suceder ao terceiro, porque com ele partilha o tempo e o espaço, assumirá formas mais tradicionais. Terá direito ao seu morto arquiduque da praxe, desta vez em forma de Estreito de Ormuz de trancas na porta. Sem petróleo, os ditos civilizados erguer-se-ão em fúria e correrão a salvar-se de tamanha privação. Que toda a gente sabe que só essa urina negra do diabo mantém o mundo a rodar. Espécie de calhau movido a combustível fóssil.
O resto da história não a conheço, mas o final adivinha-se. Adivinhar-se-ia, não fosse esta uma mera ficção sem qualquer parecença com a realidade.
Durmamos pois descansados, virados para o lado onde este sonho mau não nos atente. Sempre de olhos bem fechados.
Ou não fosse a República e os valores que a erguem, sustentam e representam (e vice-versa) a cara chapada de tudo aquilo a que este governo quer pôr fim. O mesmo que dizer que os ideais Republicanos não se coadunam, porque o atrapalham, com o caminho escolhido por estes arremedos de tiranetes, vozes de vários donos (aqui foi a igreja a apontar o trilho).
Tudo visto, acho bem que este governo acabe com este feriado. Fica-lhe, a ignomínia, como marca identitária e simbólica do que representaram neste tempo.
Quando, em breve, outros voltarem a dar a este dia a natural carga distintiva de dignidade em forma de feriado saberemos que a cidadania se reergue e a democracia retoma o seu caminho.
Ficam os sinais, portanto. Um e outro.
«(...) como aquele lendário moço de confeiteiro que assistiu à tomada da Bastilha com o seu cesto de pastéis enfiado no braço, e quando a derradeira porta feudal cedeu, e a velha França findou, deu um jeito ao cesto leve, e seguiu, assobiando a "Royale", a distribuir os seus pastéis.» [in "Coimbra de Antero", Eça de Queirós]
Ontem, ollhando-me do alto do seu metro e meio de tripas-e-osso, ladrou-me: e que queres tu?, mudar o mundo ou isso? Respondi-lhe que não, que para já bastava-me uma revolução por dia. Daqui a uns tempos, veremos como está esse tal de mundo. Olhou-me como quem olha um louco e continuou a jogar paciências no computador.
Uma ditadura mascarada de Democracia, em que as vozes dos donos e os donos das vozes se podem escudar atrás das garantias de um Estado de Direito Democrático, é mais perigosa e difícil de abater, porque golpeou o Estado de dentro para fora e instrumentaliza as antigas instituições democráticas, do que uma ditadura escancarada e assumida. Por isso, independentemente dos passos que se venham a dar para combater o actual estado de coisas, é urgente dar um primeiro. Não lhe chamemos Democracia.
Alguns dirão que só numa Democracia eu poderia escrever palavras como estas sem ser atentado por um qualquer pide ou bufo dos tempos modernos. Ora aí é que a porca torce-o-rabo. As formas serão diversas, por enquanto, mas os tarrafais dos tempos que correm já viraram para cá da esquina. Estão aí, no meio de nós. Já todos lhes vimos as formas de actuação, aqui e ali, ontem e hoje. Se duvidam, se acham que exagero, queiram fazer o favor de esperar mais um bocadinho. Até doer! Se fazem questão de esperar mais um bocadinho, depois não se queixem. Continuem "atrás da mesa com o cu na mão". Até doer!
Presidente da República,
Custa-me muito ver alguém passar tamanha necessidade. Nem sei o que seria de mim com tão parcos rendimentos. Por isso, e porque não quero ver o Presidente da República dar entrevistas onde escarra na cara e na sopa aguada de 99% dos portugueses, onde me incluo, que lutam para se aguentar e aos seus e aguentar o que resta de Portugal, apesar dos esforços do actual governo em dar cabo da economia, e apesar da superior responsabilidade do governo encabeçado pelo Presidente da República na factura que ora nos apresentam (ninguém dá nada a ninguém), por certo o principal responsável pelo não-uso/esbanjamento dos fundos comunitários nas décadas de 80 e 90, que permitiu que os boches desertificassem a indústria e a agricultura e a força dos portugueses, convencendo estes do que não era, permitindo ainda e incentivando por acção, omissão e falta de regulação a política do caga-no-tractor-compra-mazé-um-jipe, e não percebendo ele próprio, você, Presidente da República, o que era evidente até às lágrimas, por isso tudo, Presidente da República, apesar disso tudo, Presidente da República, e porque não quero que me envergonhe ainda mais e ao meu país, abri aqui em casa a discussão do dízimo-ao-Presidente da República.
Falámos bastante, fizemos contas, corta daqui, estreita dali e, Presidente da República, lamento dizer-lhe que não vamos mesmo conseguir ajudá-lo nesse seu momento difícil. É que, sabe?, o que ganhamos mal dá para as despesas. Mal dá, mas vai dando... Trabalho cada vez mais, ganho cada vez menos, sabe? Como a economia real morre e o país se desertifica, E O INTERIOR, SENHOR PRESIDENTE...nem falemos disso, DO INTERIOR (nem sei porque puxou o tema)..., como tenho um filho para criar e uma casa para pagar (a única dívida que tenho, aliás), como este governo me corta uma perna por dia, Presidente da República, o meu tostão compra cada vez menos pão, por esses somenos todos não vamos poder contribuir para que o Presidente da República viva acima das suas possibilidades. Lamento muito, lamento mesmo, porque as suas necessidades publicitadas me envergonham, mas prometa-me que fecha essa matraca em público e pára de gozar com o pagode. Não lhe chega para as necessidades? Sem filhos para criar, imagino que se endividou em demasia, como fez a Portugal quando o desgovernou.
Olhe, Presidente da República, a continuar com esses ditos é melhor mas é ir bardamerda. Ganhe vergonha na cara. Ou, em não podendo, enfie-se dentro dum saco e mande-se ao mar mais às suas despesas de velho mimado. Faça o que quiser, mas pare de gozar com o zé-povinho. Fique-se pela sua conta do Facebook. Cale-se!
Quanto ao resto, e como dizem os seus amigos de Orçamento, "abandone essa zona de conforto". Governe-se! Se necessário for, demita-se!
"Os acontecimentos podem passar do impossível ao inevitável sem pararem no provável", Tocqueville.
Assim como aqui chegámos, daqui sairemos. Da noite para o dia, é assim que tudo é. "É" de ser; "É" de acontecer. Agora não é, agora já é. Como que num piscar-de-olhos. Vivo, Morto; Oprimido, Opressor; Morto, Vivo. Santo-e-Senha e passa-se da Situação à Revolução. Sem parar no provável mas passando por lá, esse sítio essencial à passagem mas onde não se passa da cepa torta.
Ela, a impossível, há-de passar sem parar; inevitável. Como sempre tem passado, que o mundo roda como sempre rodou. Embora para nós, enfiados neste pode-ser-ou-não-ser -- no provável, pois -- nos possa parecer impossível. Não é! Nunca o foi, não ia começar agora.
Mas não é como o vento, há que soprar.
Soprar.
Pode!, desde que o partido que está no poder faça por não se confundir com o Estado. Desde que nós não assobiemos para o lado perante o arroz-com-feijão que nos servem a cada virar de disco. Porque há Estado além e aquém do Governo. Há Estado além e aquém do cartão do tempo que a cada tempo corre. O irónico é que isto está de tal forma entranhado que até parece normal. Uns mamam e os outros deixam mamar. Se Camilo, Eça ou Ramalho voltassem aos vivos-que-respiram continuariam as respectivas demandas no ponto em que as deixaram.
Isto da crise, dos mercados, da troika, do governo-fantoche. Isto desta democracia que de democracia mantém apenas o nome, em que o povo vota e é o próprio governo eleito, bem sei que não se elegem governos, e é o próprio governo eleito que abdica de governar, aceitando ser testa-de-ferro de um casal franco-atirador, perdão, franco-alemão. Casal que, por sua vez, é a voz de donos bem mais poderosos. Isto é tudo uma farsa. Petróleo e armas, tudo se resume a isso, é certo. E nem ousem chamar-me ingénuo, vós que acreditais em mercados sem ser os do peixe e da carne; vós que por eles se governam. Outra ficção. A democracia funciona, que Não restem dúvidas, a questão é que já há muito que não vivemos em democracia. A ilusão da liberdade de expressão, com essa é que eles nos levaram. Por aí nos deixámos perder. Deram-nos a ilusão da vitória, a ilusão que contamos para a decisão. E enquanto olhávamos para outro lado, deliciados com tanta liberdade, não nos apercebemos que nos iam enfiando uma camisa de onze varas (são onze, não sete) e conduzindo como um rebanho. Para aqui. E aqui chegados, para aqui empurrados, pintam-nos as casas de azul e nós dizemos que sim, depois arrancam-nos o tecto e rebentam com as paredes. E nós que sim. Que a gente cá se governa, mal ou bem, cá se vai andando. Afinal se nos juntarmos todos, assim muito juntinhos, nem sentimos o frio. É mesmo necessário, não é? Então seja. Levem o que quiserem. Os dedos? Se tiver de ser, que já não tenho anéis e não preciso dos dedos para nada. Levem, levem. E se me apanharem a pisar a relva, abatam-me. É a lei que diz. Agora não se pode pisar a relva. É um dos muitos crimes ora punidos com a pena capital. Parece que tem de ser, que a pirâmide inverteu-se e estamos a viver demasiado tempo e depois somos um estorvo para o Estado. É muita gente dependente, gente que já não produz. E o Estado Social assim não se aguenta. Agora puseram-nos este chip explosivo na cabeça com relógio a apontar para os 65. Que temos de compreender. E a gente compreende, caramba. Há que respeitar o défice. São uns números que têm de ser assim pequeninos, percebem? E as empresas fecham e as pessoas morrem à fome ou com falta de ar; agora que se paga para respirar há muitos a quem cortam o ar. Sem pré-aviso. Diz no contrato que já vinha assinado nos dois lados. Que nos cortavam o ar. Um vizinho meu morreu assim, depois de ter sobrevivido duas semanas a respirar-me o ar que se me fugia pela porta mal calafetada. Mas a gente habitua-se a tudo, até às injecções na testa que agora temos de levar todos os dias. É tudo pelo país, catano. É para trabalhar mais tempo sem que nos venha o sono, que as dezoito horas diárias afinal não chegam e tiveram de passar para as vinte e duas. E nós vamos andando, de sorriso tatuado no focinho, que também saiu uma lei que a isso obriga. E o trabalho liberta. E agora chamam-me para o banho; espero que seja desta, espero que seja desta, espero que seja desta... Tem sido uma desilusão ver água sair daquelas torneiras. É que começo a ficar cansado, dói-me o corpo todo. E tenho saudades do início deste post, em que a vida era mais fácil.
Isto é tudo uma farsa, percebem? Nada disto é fado, basta acreditar que é possível uma só pessoa mudar o mundo. E se forem duas já são duas. E assim por diante. É que isto é tudo uma farsa, percebem?
Claro que a Angelita não surpreendeu, limitando a cumprir-se, como já aqui adiantava o António. A coisa resume-se a um novo tratado de adesão (disse bem, tratado de adesão). Um tratado de adesão é aquele em que, grosso modo, uma das partes se limita a aderir (ou não) às cláusulas que lhe são apresentadas pela contraparte. E é isso que a dupla que o António refere agora nos manda às ventas. "A chanceler alemã disse esta manhã, no Bundestag, que a Europa está prestes a criar um união orçamental, depois de ter discutido com o presidente francês formas de «refundar» a UE". Falo pois em contrato de adesão, sim, não à UE, mas a uma união de dois países (que ou matam ou se matam), da qual todos os outros não serão mais que meros vazadouros. Sucede que a este contrato de adesão falta a hipótese do "ou não". Assinamos e pronto, é essa a ideia. Rigidez orçamental, diz agora quem foi a primeira a quebrá-la (é bom não esquecer que enquanto andava a dr.a Ferreira Leite a vender os anéis para cumprir o défice, esta gente, com a garganeira que lhes é habitual, ultrapassava-o pela direita). O casalito sabe o que quer e sabe com quem conta. Um dos que não lhes faltará é o ond'é-c'assino que nos desgoverna. Vamos pois a isso, cambada. Vinde a nós as vacas a voar e bois a parir, que a gente cá se habitua.
Lema, a "nova europa" já tem. Libertem-nos, pois. Heil!
Imagino que não estejas a par, Vítor. Há um livro-talvez-O-Livro onde, diz a lenda -- uma lenda sobre um livro vê lá tu --,... onde, toma atenção, é impossível contar os muitos Aurelianos e Josés Arcadios que por aqueles cem anos vão passando. Não serão exactamente cem -- não sei se me estás a acompanhar, Vítor --, cem anos de solidão é o nome de um livro, Vítor. Os muitos Aurelianos e Josés Arcadios, é disso que falo, Vítor, são eles os muitos que vão passando e que não é possível contar. Dizem...!; que eu nem tentei nem tentarei, apenas o li. toma atenção e não te distraias, detesto repetir as coisas. É de um homem, o livro, um colombiano, Esse Homem, chamado Gabriel, talvez seja mesmo o Livro do Homem ou o Homem do Livro, dependendo de quem olha o quê e de onde. Vítor ou Victor, que não sei se aderiste ao acordo ortográfico; o acordo, Vítor ou Victor ou Víctor, e levarás acento, raio de nome complicado tens, o acordo é uma coisa que nos obriga, assim como tu, a fazer coisas que não queremos fazer, por exemplo, escrever espetador, assim como quem espeta, em vez de espectador, assim como quem assiste. Mas perco-me, homem, queria era falar-te de Úrsula, mãe do primeiro Aureliano e do primeiro José Arcadio. Úrsula. Às tantas, já a coisa ia nos bisnetos, acho eu, se calhar mais, que a Úrsula já era centenária. Às tantas, havia uns gémeos, os tais bisnetos ou mais, que eram Segundo e Segundo, respectivamente, Aureliano e José Arcadio de primeiros nomes. Bem, Vítor -- ficas Vítor, que és um tipo moderno, Vítor --, o que se passa é que a Úrsula, tantos tinha visto, filhos e filhos de filhos e filhos de filhos de filhos. Ora Aureliano ora José Arcadio ora José Arcadio ora Aureliano. Com uma ou outra adenda, mas sempre com aquelas graças a picar o ponto. E aprendeu, por tanto e tantos ver e criar, que os Aurelianos saíam sempre assim e os Josés Arcadios saíam sempre assado. Agora volta lá atrás, aos gémeos, ..., já está, eu continuo. Os de último nome Segundo que de ordem eram bem mais -- para teres uma ideia, o Aureliano Segundo chamou José Arcadio ao filho --, os gémeos, baralharam-se e deram de novo e baralharam-na e às tantas já parecia que nem eles sabiam quem eram. E isso desgostava a Úrsula e a mim também, que gosto da Úrsula. O nome de um homem-filho, à Úrsula, dizia-lhe tudo do futuro que o perseguiria. Quem ele ia ser. Mas, e chego lá agora, ao lembrar-me desta história simples de bela lembrei-me de ti. E não gostei nada. Não te quero misturado com os meus cem anos de solidão. Nem com o simples de belo. Mas lembrei-me, essa-é-que-é-essa. Por causa dos homens de quem o nome diz tudo e por causa dos gémeos que de tanto se fazerem passar um pelo outro, às tantas -- julga-se a páginas tantas --, se baralharam a eles mesmos.
Homens que não sabem quem são e por isso são como são.
Homens de quem o nome diz nada.
Quanto à primeira questão nada posso fazer, bem vês. Quero mesmo que desapareças, que és do pior que vi. Pior como em mais mau que mau, sim. Tenho más sensações quando te vejo. Pareces um homem às avessas. Virado de fora para dentro e de dentro para fora. Às avessas. Não és o pateta que pareces e tens agora ar de quem veio para ficar muito tempo. E isso assusta-me, percebes? Quando falo de muito tempo falo mesmo de muito-muito tempo, ficar além do tempo que te está reservado pelo que é. O Coelho mandar-te embora e tu ficares. Esse tanto tempo.
Quanto ao nome, nada a dizer; é chamar-se de gente normal. Fora do livro, as coisas são mesmo assim. Os nomes nada dizem das pessoas antes de as conhecermos e de passarmos a não gostar daquele nome apenas porque não gostamos daquela pessoa. O teu nome não diz nada de ti, não diz ao que vens. Se te chamasses Adolfo Salazar eu ficava de pé atrás. Não imaginas o Coelho a escolher um Adolfo Salazar para Ministro das Finanças. Pois. Bem, vou mesmo mudar-te a desgraça de não mostrares ao que vens, isso vou fazer. O Vítor pode ficar, mas esse Gaspar diz de menos. Salazar dava muito nas vistas, também não. Raspar. Raspar porque é parecido com Gaspar e Raspar porque me raspas o tacho e raspar porque quero que te raspes e raspar porque avisa as pessoas para que se raspem de ao pé de ti. Raspar. Vítor Raspar, o homem às avessas. Ficas assim. Porque eu quero. E agora raspo-me, que estou a escrever isto no telemóvel para apagar ou publicar ou guardar para ler mais tarde e apagar. E já me doem os polegares e isto já vai longo e já tenho a única coisa que queria quando comecei a dedilhar. Agora já te raspei dos meus cem anos de solidão. Durmo em paz, Raspar.
Em vez de acabar com a sexta-feira santa, com o dia de todos os santos ou com a imaculada conceição (já nem falo do natal ou da páscoa), o Governo Português decidiu acabar com o 5 de Outubro, Dia da Implantação da República. E nem me digam que não foi o Governo, que foi o Governo e a Igreja, que a minha azia só aumenta.
Fui ver e a definição continua a mesma: "laico (adj.) Que não sofre influência ou controlo por parte da igreja (ex.:estado laico)".
O n.º 4 do artigo 41º da Constituição também continua intacto: "As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto."
E, claro, os artigo 1º ("Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária") e 2º ("A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa") por lá continuam. Serenos na letra.
Entendo que esta decisão é um atentado ao Estado de direito. O Estado não pode, numa política dirigista, e é isso que está a fazer, condicionar a visão que os seus cidadãos têm sobre a vida, sobre os outros cidadãos, sobre a forma de estar no mundo. Este Estado d'hoje é um Estado doutrinal, que me condiciona a celebração da República ao mesmo tempo que me fecha as escolas, os tribunais e todas as repartições públicas no dia ... da imaculada conceição. Já não se trata de paciência. Esta gente mete-me nojo!
Já percebi que ninguém se entende quanto ao princípio do fim da crise e, por isso, não vou bater mais nessa tecla. O meu problema é agora outro. Já se deu o fim do princípio da crise? É que uma coisa leva à outra e, às tantas, o problema de não se saber a hora exacta do princípio do fim da crise reside no facto de ainda não se ter discutido essoutra temática do fim do princípio da crise. Sem se ter a certeza se uma coisa já se principiou até ao fim -- se já acabou de se principiar --, é extemporâneo estar a discutir quando se dará o princípio do fim. Da Coisa. Fica a achega para o próximo Conselho de Ministros. Mais um dossier para o Gaspar.
"Onde é que estão as novas gerações?", pergunta o Zeca. Respondam-lhe, porra!, respondam-lhe! Estamos aqui; em cada lavar-dos-dentes, em cada palavra, em cada respirar. Em cada passo. Em outros orgasmos (que os há de espécies variadas), também. E ainda aqui. E em cada português. Pela memória dos que deram a vida, pela memória dos que não a deram, mas que nos entregaram o país, pela aventura dos que se atrevem a dizer não (e também dos carneiros que dizem sempre que sim). Pelo meu filho. Pelos vossos filhos. Estamos aqui!
Mandaram-no entrar. Que se sentasse, disseram, ignorando-lhe a mão que havia estendido em cumprimento. Sentou-se. Ele deu-lhe um copo com água e dois comprimidos, um azul e um amarelo. Ela ordenou-lhes que os tomasse. Os comprimidos!, com a água! O Grego resistiu; nem pensar, disse. Demokratía, no pills! Sentiu uma outra presença na sala. Atrás de si. Soube sem virar; era ela. A mulher-Lagarto abriu a boca e todos os vidros se partiram. Em menos de um fósforo, já os comprimidos iam goela abaixo. A seco. Acordou com o coração a caminho de outro mundo. Agarrou-o a tempo e acendeu a luz. Bebeu água. Havia sido só um pesadelo. Só um sonho mau, pensou, mesmo apesar do ataque de tosse que lhe fazia subir algo dos pulmões em chamas. Levou a mão à boca e puxou, puxou, puxou. E outra vez. Liberto, olhou aquilo com medo e repulsa e atirou-o para o lado. Pegou no telefone. Stop Demokratía!, Stop Demokratía!, gritou antes de desmaiar. A um palmo do seu nariz, ainda molhada das entranhas do grego, jazia uma madeixa de cabelo branco platinado.
Não ouso insinuar que estava errado, Professor. Limito-me, com mais factos (todos ignóbeis) e 21 anos depois, a afirmá-lo. No entanto, gostava muito, deuses à parte, de o ouvir falar desta Europa de hoje. Deste nosso Portugal de gaspares. Do que fizeram à sua "guerra do homem contra o homem", como ideal económico que o Professor alegorizava com a, hoje, lengalenga do "lápis mais perfeito". Uma coisa é certa, foram os portugueses que fizeram de Portugal aquilo que ele (não) é hoje. Ontem, quando via o "Meia-Noite em Paris", de que o Luís já aqui falou, imaginei-me numa mesa, de trinco na boca, a ouvir Pessoa e Agostinho. A falar de Portugal. Sabendo de antemão o quanto vos deixámos mal. É uma pena haver horas, Professor; é uma pena haver portugueses que insistem em rumar contra Portugal. E alguns, veja bem, nem são ministros ou deputados. São o Dantas do Almada. E, assim sendo, eu quero mesmo ser Espanhol!
«A entrada da Grécia no euro "foi um erro", defendeu ontem o presidente da França, Nicolas Sarkozy, numa entrevista televisiva transmitida pelos principais canais franceses. Nicolas Sarkozy relembrou que nem ele nem Angela Merkel, chanceler alemã, estavam em funções quando foi decidida a entrada da Grécia no euro e afirma que o país entrou "com números falsificados" e sem uma "economia preparada para assumir a integração na zona euro".» [Antena 1]
Nem ele nem a Angela estavam em funções. Comecemos pelo princípio, que é sempre uma bela maneira de começar. Não remontemos, porém (ai o pudor), ao tempo em que o pequeno Nicolas ainda não tinha descoberto os sapatos de tacão-alto ou a desditosa Bruni. Quando falo de princípio, quero dizer dos Princípios a que já aqui aludi. E o princípio do pequeno Nicolas é algo como: a Europa somos nós, eu e a minha roliça Hausfrau. O inusitado eixo franco-alemão; é disso que ele fala. E nós, em falando, falamos de gentes – eles − que se matam quando separadas, gentes que esfolam quando unidas.
Este pequeno-grande néscio admite, pensando como deus lhe deu (QI-dois-mais-vinte-e-cinco-é-igual-a-dois), que a Europa de hoje se resume ao novo eixo (que gozo me dá usar este termo: “novo eixo”). O eixo franco-alemão. Espetem-me garfos nos olhos e rodem até sangrar (eu já o fiz e escrevo de ouvido), mas a verdade é que o pr eleito está, por uma vez, carregado de razão: quem raios deu a este casal de brita-ossos o poder de se assumir como dono da Europa?
A Grécia-Erro é um belo erro, mas não é o nosso erro? O vosso erro? Da Alemanha e da França? Como raios hei-de dizer isto de uma forma meiguinha?
Ide para a puta que vos pariu? Quem vos elegeu? Querem uma federação? Proponham-na e proponham-se para a dirigir, que isto de pagar para abater árvores de fruto ainda não é propriamente um sufrágio. De resto, isto dos 17-na-sexta-27-no-sábado é menos que zero. Temos, pois, de acordo com o pequeno Nicolas, consorte (com muita sorte) da Fräulein, quatro europas. A Europa deles, a Europa dos 17, a Europa dos 27 e a Europa apesar da Grécia. Apesar de nós, também. Mal ele sabe que a Alemanha o coloca no saco com os outros 15. E eis a quinta Europa. Está-lhes na massa do sangue.
O busílis é que estes outros 15 ou 25 não foram convidados para a casa de ninguém. Não somos, falando agora dos 15 tansos envenenados (cada um à sua maneira) pelo marco-franco denominado Euro, uma espécie de movimento-dos-trabalhadores-sem-terra. Não nos resumimos àqueles reinos lá-longe-longe. Donde vêm as encomendas de cereais e de bê-émes.
Ursinho, Angelita (até tens um petit nom hispânico, vê lá isso) que veio do leste, homem pequeno, leiteiro da mulher do homem pequeno: vós sois a circunstância; nós somos a estrutura que vos… estrutura. E que tal um Euro-Eixo? Não quereis, suponho!; que assim vos foge a clientela. Agora deixo-te em paz, Nico, falo agora para a tua chefe: porque não voltam ao marco, hein? Fica o desafio. Uma voltinha ao marco. Quarto Reich e tal. Continua a ser o vosso sonho, certo? Já lá vão cerca de sete décadas sem queimar judeus às escâncaras. A ressaca bate forte, imagino. Termino este faduncho à desgarrada, e que nem sequer vou rever, dizendo apenas: os boches mudaram de táctica, mas o sangue de 39-45 (foi em 45 que o vosso moreno-ariano-judeu-austríaco se matou) continua a bombar-vos a gelatina a que nos homens se chama coração.
Em suma, e volto ao casal adolf-eva, (abastardando o poeta) a vossa Europa é mais rica que a Europa que corre pela minha aldeia, mas (e já terminei a ignomínia de dobrar o trovador) a vossa europa não sobrevive sem a nossa europa.
Agora, os partisans somos nós. E desse vosso lado?, ninguém diz: "Vive le Québec libre"?
(este post é dedicado ao António Filipe)
Dos meus...
Prima Conceição (que me ajudou a criar) – 1:45
Tio-avô António (irmão do meu avô) – 2:11
Bisavó Alexandrina, à direita na imagem (de quem guardo fortes e luminosas memórias; mãe da mãe da minha mãe) – 2:19
Podeis ir todos para a puta que vos pariu. É que, no meu mundo, nenhuma morte se celebra. A gente do meu mundo, a minha gente, não se congratula assim, publicamente, com a morte de quem quer que seja, por mais detestável que essa pessoa seja. Por mais mortes que essa pessoa tenha causado. A morte às patadas da molhada, então, não se celebra de todo. Se hoje voltamos a celebrar as mortes, o próximo passo talvez seja reivindicar a respectiva autoria.
"O que é que estão a fazer ao senhor, papá?"
Sois uma vergonha. Sois uma quadrilha. Em suma, podeis ir todos para a puta que vos pariu. Não sei se fui suficientemente claro. Às vezes, quando estou assim, calmo, tendo a não ser tão claro quanto devia. Mais uma coisinha: nada que se quer bom pode ter tão brutal começo. Não está aberto o caminho para coisa nenhuma, a não ser para algo como um clone do morto. E vai começar tudo de novo. Já depois de amanhã, com vexas a lamberem-lhe o petróleo que lhe escorre do rabinho. Depois de amanhã, sim, porque amanhã ainda é cedo para o novo fantoche vos morder os calcanhares. Tudo se resume a isso, afinal. Ao mijo de deus. Ao petróleo. Com esta morte, está aberto o caminho para uma nova era, sim, como dizem vocês ao povinho. Cientes, porém, que essa nova era não passa nem pela cidadania nem, obviamente, por nenhum verdadeiro processo democrático. Será mais do mesmo. Ao povo líbio foi recusado o primeiro acto de cidadania, de verdadeira liberdade, que era poder dar a este homem um julgamento justo. Aquilo que ele nunca deu a ninguém, o povo dar-lhe-ia. Essa sim, seria a nova Líbia que tanto anunciais. Como raio podiam ter vexas impedido isto? Não insultem a minha inteligência, por favor. Foram vexas que proporcionaram isto. E tudo por causa de uma anterior experiência que não vos agradou lá muito. Em suma, e não sei se me repito, podeis ir todos para a puta que vos pariu!
Peter Bouckaert, Human Rights Watch
De acordo com a TVI, Abdel-Hakim Belhaj era “um opositor do regime que chegou a pertencer a um grupo com ligações à Al-Qaeda e que, ironicamente, é hoje um dos lideres da nova Líbia apoiada pelo Ocidente”.
Não que isto seja alguma espécie de novidade, verdade seja dita, mas é sempre bom ter como comprová-lo (neste caso, uma série de arquivos que o ditador e sus muchachos deixaram para trás). Em suma, quando lhes cheira a petróleo, qualquer tendinha lhes serve, qualquer mão estendida, por mais suja de sangue que esteja e desde que a sujidade também inclua petróleo, tem de ser apertada. Um poço de petróleo pelo teu sorriso, tóni! Felizmente, não descobriste a tempo que também o há no Beato. A verdade é só uma, estes fantoches (Khadafi, Saddam Hussein, etc) são postos e depostos pelo Ocidente ao ritmo do ouro negro que ejaculam. Quando a coisa aperta e as tendinhas começam a incomodar, a solução é simples. NEXT!
[As imagens e o texto em itálico são da reportagem da TVI, assim como o título deste post]
Acho que tenho aqui parte da solução, ora veja lá o que acha, fräulein. Centros para a Eutanásia de gregos e portugueses improdutivos. Hein? "Snap snap, grin grin, wink wink, nudge nudge, say no more?" É original ou não é? OK, não é exactamente original, mas já vai para 70 anos que vexas "abandonaram" esse método da "economia higiénica" ou "higienização económica".
Bem sei que também contam com o pessoal para comer as vossas produções, mas isso resolve-se com facilidade. Ora veja bem: nós, por aqui, somos cerca de 10 milhões de improdutivos. "Economizam-se" (nudge nudge outra vez, OK?) 5 milhões e embarcam-se para cá 2,5 milhões de "arianos puros" (daqueles "vossos arianos", sim!, esses mesmo). A mesma coisa na Grécia e tal e a coisa resolve-se numa geração e pouco. E então?, é boa ideia ou não é? Pelo menos "goes right to the point", ora conceda lá. E temos praias e tudo; olha que boa ideia.
Agora a sério, esta minha cantiga não passa, como disse aquele autor que agora bem que podia ser alemão (e até parece que o tipo também nem gostava de judeus; veja como ele pinta o Shylock); não passa, a cantiga, dizia eu, de "a tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing", como diria o tal Shakespeare. Não ligue.
Pegamos nos alemães (com excepção dos que escrevem nesta pegada), amarramo-los a cadeiras, mantemos-lhes os olhos abertos à força (com aquela geringonça que usaram no Alex da Laranja Mecânica) e é só obrigá-los a revisitar as seis primeiras décadas do século passado. Em fotografia (há umas que eles próprios tiraram e que não podem deixar de lhes ser exibidas), em filme, em prosa, em poesia, em música, em ensaio, em todo o tipo de narrativas históricas, económicas e sociais. Em plano Marshall, também, há que não esquecer.
No final, alguém que lhes diga que não nos estão a fazer favor nenhum. Que o resto do mundo, sim, lhes fez um favor. Ao deixar que se reerguessem e se reunissem. Que o resto da Europa, sim, lhes fez um favor, ao ser estúpida ao ponto de se deixar fazer novamente refém. E, no fim de tudo, soprar-lhes que eles continuam a precisar de nós; afinal, todos os países da Europa os têm como primeiro ou segundo maior fornecedor de bens de primeira, segunda e terceira necessidade. Fomos burros que nem portas, sim, e por isso somos bons clientes. E, ao contrário do que eles chegaram a pensar fazer aos judeus que sobrassem, não os mandámos a todos (aos boches, entenda-se) para Madagáscar. Nem tal nos passou pela cabeça.
Não!, os alemães não nos estão a fazer favor nenhum! Ao mundo, entenda-se. É preciso é estar sempre a alertá-los para isso, que são tipos de memória curta.
Dos franceses, a outra potência deste insólito novo Eixo — Eixo Franco-Alemão, que ironia desavergonhada —, falarei noutro dia. Mas não sem adiantar, desde já, que, para além de padecerem igualmente de problemas de memória, não têm um pingo de vergonha na cara. Nem de amor-próprio ou, se quiserem, de respeito pelo próprio passado.
Em suma, quando a fome se junta com a vontade de comer, tudo se esquece, tudo se apaga. É como se nada houvesse sido, tudo se passa como se a história tivesse começado ontem. Mas não começou, essa é que é essa. E aí é que a porca torce o rabo. Que não peça respeito quem não se dá ao respeito. Que não dê lições quem demonstre não ter aprendido as suas.
Em 1941, Meinhold, um "economista" nazi, referia-se aos 6 milhões de polacos cativos no seu (deles) próprio país, como "excedentários para as necessidades". Meinhold, e outros como ele, referiam-se aos seus escravos como representando uma "erosão de capital", um "desperdício de espaço". "Excedentários para as necessidades", "erosão de capital", "desperdício de espaço". Foi em 1941, há 70 anos, portanto. E a propósito de que vem este post? A quem tal pergunta, respondo: de nada, de absolutamente nada.
Comecemos pelo fim: o DIAP não pede três anos de prisão para Hulk!
Nesta coisa que se pode ver na imagem supra reproduzida (por uma questão de higiene, evito usar as palavras jornal e notícia) pode ler-se: “DIAP pede três anos de prisão para Hulk”. Ouvida a coisa logo de manhã, na Antena 1, que aludia ao chamariz, tropecei no café. Comecei a sentir aquele cheiro a podre, retive a inspiração, contei até dez e segui a minha vida. Que se lixe, pensei (na verdade, “que se foda” foi o que me veio à cabeça, mas não apetece colocar a palavra “foda” fora de um parêntesis, daí estar a usar este estratagema, para que ninguém vá ao engano com o que realmente pensei). Que se lixe, desta vez não me vou chatear. E lá segui para um tribunal, aqui das berças, onde DIAP algum pede anos de prisão para quem quer que seja. Adiado o julgamento, cheguei ao escritório e lá fiz o que tinha a fazer. Li uma ou outra parangona, num ou noutro jornal online (coisa que não me tomou mais de cinco minutos — não verdade eu só queria mesmo saber se o Conselho de Ministros de ontem já tinha acabado), fiquei a saber que um pratito de sopa num restaurante vai passar a levar com um IVA assim mais composto e passei ao correio da manhã, que entretanto havia chegado. Despachado o correio da manhã (agora me dou conta que posso estar a induzir alguém em erro; quando digo correio da manhã quero mesmo dizer correio da manhã, assim como em “o meu correio da manhã já chegou”? – raios, agora ficou ainda pior —, refiro-me àquelas notificações que os tribunais e outras entidades me dirigem diariamente para o escritório — em bom rigor, já nem lhe devia chamar correio, que a maior parte do meu correio não é bem correio, uma vez que já não vem de cavalo alado, mas por via electrónica), despachado o correio da manhã, dizia, comecei a trabalhar e nunca mais me lembrei do Hulk nem do DIAP nem dos tribunais onde o DIAP pede, logo quando acusa, anos de prisão para as pessoas.
Por volta da hora de almoço, reparei que já era por volta da hora de almoço e fui almoçar. Em casa. Televisão ligada, notícias e tal. E tungas!, Lá vai o Hulk para a prisão e o Sapunaru com ele — e este, pobre, quase de certeza leva ainda mais dois anos que é para saber o que é bom para tosse. E pimba! Deixem-me só explicar a diferença entre o “E tungas!” e o “E pimba!”. O primeiro é comparável a quando um gajo vai a andar na rua, vê um monte de merda no passeio, mas já está a três centímetros de lhe espetar com o pé em cima. Já sabemos ser inevitável passar os próximos cinco a dez minutos a raspar o sapato na areia, na relva, a passar ao de sola num charco. O “E pimba!” é todo o processo acima descrito já a ser executado, o acto, propriamente dito, de tirar a merda do sapato. Penso que fui claro.
Em suma, já não havia nada a fazer, já não ia conseguir evitar aborrecer-me, já me seria impossível não perder tempo a explicar que o que tinha acontecido não passava de uma acusação deduzida pelo Ministério Público onde se diz algo como “O Magistrado do Ministério Público acusa fulano, porquanto indiciam os autos que fez e aconteceu”. E, depois de acusar e de fundamentar a acusação, depois de enrolar (nada pejorativo, este enrolar) os factos e o direito, conclui que o tal fulano, que é o arguido, “agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo ser-lhe proibida e punida por lei penal a sua conduta”. Algo assim. E para terminar, diz — pelo menos é costume, aqui na terra — que o arguido, com a conduta descrita incorreu na prática do crime tal, previsto e punido pela norma tal.
Ora, há-de ter sido assim que o tal DIAP — aqui, nas berças, não temos tal coisa —, por intermédio de um seu “Magistrado do Ministério Público”, fez com o Hulk e sus muchachos. Longe, bem longe, de pedir três anos de prisão para quem quer que seja (e logo haviam de ser três anos, assim certinhos!), como se afiança na imagem que acima deixei colada.
Em suma, este cavaco todo é só para dizer que ninguém pediu três anos de prisão para quem quer que seja. O Procurador encarregue do inquérito, depois de ter ordenado as diligências que bem entendeu, terá decidido acusar o Hulk e o resto da rapaziada pela prática dos crimes que entendeu poder extrair dos factos alegadamente praticados. Acusar, assim como quem aponta um dedo (mas um dedo oficial, assim tipo o fura-bolos do Estado). E mais nada. Um procurador, tendo em conta a análise que fez dos factos, decidiu (bem ou mal, depois veremos) que determinado indivíduo cometeu um crime e, portanto, deduziu uma acusação. Como raios hei-de explicar isto de outra forma? O Ministério Público, em sede de acusação por si deduzida, não pede prisão para ninguém. Se agora, por exemplo, um dos acusados (não, não estão já condenados, bem sei que vendia mais) resolver requerer a abertura de instrução, teremos mais uma fase processual onde, e cinjo-me aos pedidos que o Ministério Público pode fazer nos diferentes estágios do processo, quanto muito poderá pedir que determinado individuo seja pronunciado e levado a julgamento. E não, mais uma vez o Ministério Público não pede três anos de prisão. Feito o julgamento, e em alegações, então sim, depois de ter desfilado toda a prova da acusação e da defesa, o Ministério Público pode, se assim quiser, concretizar a pena de prisão que, no seu entender, se adequa ao caso concreto. Ou então, pasmem!, até pode entender que não se fez prova nenhuma contra o arguido e pedir (acontece, meus caros) a absolvição. Ah, pois é! E se se tratar, como parece ser o caso, de um crime de ofensa à integridade física, até um fulano ir parar à cadeia (e, reitero, logo três anos, assim certinhos!) ainda há umas quantas alternativas com prioridade de aplicação, a começar pela multa, passando pela dispensa de pena e ainda pela suspensão da execução da pena de prisão. Tudo coisas que o Ministério Público pode pedir, finda a produção de prova em julgamento (e depois, claro, nas alegações de recurso de recursos que eventualmente venham a ser interpostos).
Em suma, e termino já, que tenho ali que ir mandar uns quantos para a cadeia (os advogados fartam-se de fazer coisas destas), o que o “Correio da Manhã” assevera que aconteceu não aconteceu. Tão simples quanto isto. O DIAP não pediu três anos de prisão para o Hulk. O DIAP não poderia pedir três anos de prisão para o Hulk. O DIAP jamais pediria, nesta fase, três anos de prisão para o Hulk. O que na imagem se pode ver, isso sim seria uma notícia. Um jornal (sem conceder e por uma mera questão de raciocínio) garante aos seus leitores algo que é facilmente comprovável não ter acontecido. E a notícia (sem conceder, mais uma vez, e sempre por uma mera questão de raciocínio) manda-se publicar e jornal manda-se imprimir. E depois distribuir. E a notícia, falsa como judas, cai nas bancas a encimar o jornal a que vem atascada. E eu leio, e tu lês, e todos lemos. E depois saímos à rua, e dizemos alto e bom som que o homem mordeu o cão. Afinal, até vinha no jornal. Eu disse “isso sim seria uma notícia”, um jornal que engana os seus leitores, que o faz dolosamente. Mas, lamentavelmente, há muito que tal deixou de ser notícia. O ar que respiramos vem pejado disto — talvez seja isso que nos anda a dizimar em forma cancro. “É fartar vilanagem”, tudo se pode dizer, tudo pode ficar por provar. É, afinal, nisso que os cultores desta “liberdade de expressão”, que nos atenta de manhã à noite, entendem sustentar-se o Estado de Direito. Nada mais errado, meus caros, é por estas pequenas cedências à mentira mil vezes dita e repetida que os tais pilares se esboroam. E que a liberdade se vai. Ou não, porque, bem vistas as coisas, nunca esteve. É que liberdade não é libertinagem.
Eu, porque não tenho mesmo mais nada para fazer e a minha vida é apenas andar a fazer posts destes (para isso me pagam), não me calo. Esteja quem estiver no lugar do Hulk. E não é só porque hoje é o Hulk e amanhã posso ser eu (quando for o próximo da fila, cá me orientarei); também não é apenas porque uma mentira publicada passa a ser verdade (que não passa, embora muitas vez doa como se assim fosse e acabe por dar no mesmo). É, acima de tudo, por uma questão de higiene, de saúde (também da minha, que fico a remoer nisto e estas coisas não me podem fazer bem), de menos merda nos passeios, de criar um ambiente mais higiénico e salutar para o meu filho. Para mim e para os meus. Menos “Pimbas!”, menos “Tungas!” E sim, também é por causa do Hulk, do Sapunaru, do Hélton. Da Leonor Beleza e do Sócrates. Do Paulo Portas e do DSK (olá, Ana Gomes). E de outras pessoas que não vou aqui elencar, para não relembrar pecados velhos. Faria isto por quase toda a gente. Eu disse quase..
E, por último, mas não em último, pela liberdade de imprensa, por paradoxal que pareça. É que, só com um forte ataque às notícias manhosas que por aí proliferam, com o diário repudiar das mesmas, teremos verdadeiro jornalismo. E também por aí, ou essencialmente por aí, passa o cultivar de uma cidadania que vamos perdendo. Bem sei que isto é uma pescadinha de rabo-na-boca, que quanto menos livre — no pensar, essencialmente no pensar — for o indivíduo, mais estas notícias vendem e rendem. E quanto mais venderem mais longe estará o cidadão. E mais estas notícias venderão.
Mas, não será por isso que deixarei de mandar as minhas postas de pescada. Se não ajudarem mais ninguém, ajudam-me a mim. E já não é coisa pouca. Não deixarei, dê lá por onde der, é de clamar pelo jornalismo que mereço. De dizer "Jornalismo". Pela nossa saúde.
Deixo-te os "ais deste país" que vais enfrentar. Para que saibas, foi o primeiro que te li, o primeiro que te dei a ouvir. Mais tarde, entre o teu terceiro e o teu quarto ano (que a esta hora completas), riste-te da pantomima do Mário, mas não me perguntaste a razão de tantos "ais". Um dia falaremos de todos esses "ais", dos bons e dos maus. Falaremos de um Portugal que, estou certo, nos sobreviverá (e da angústia que ora sinto de que esta última sentença me peça satisfações). Meu Filho.
E, a esse propósito, escrevi um post. A seguir, e depois de o ler, apaguei-o. Dizia da República de Guerra Junqueiro e de Antero de Quental. Não tecia loas ao Manuel Buíça, sinistra figura. De seguida, apagado o post, pensei numa ode, num singelo poema, ao menos. Algo me atentou, porém, na elaboração de tudo isto, algo me levou a não publicar o que tinha escrito e a não ousar espreguiçar-me numa celebração de circunstância. Essa coisa em nada contradiz a minha dedicação e a minha crença na República − nem sequer entendo o conceito de monarquia, o "eu sou porque sou (teu filho)". Serei um básico. Em suma, tropecei numa fava. E mais adiante não fui. Não pude. É uma questão de pele; é uma questão muito minha e muito cá com o meu feitio. Em 2011, portanto, celebro a República de uma forma diferente. A alternativa seria insultar a má-fortuna que nos (me) calhou nas urnas. E, por contraditório que pareça, também por estas areias atrevidas a amo e faço dela a minha escolha, à Republica. Podia celebrar a República falando de Mário Soares, de Jorge Sampaio. Porém, ¡viva o paradoxo!, opto por exaltá-la não falando de quem ora a ela preside (vejo nesta fava um brinde). Em suma, e hoje por hoje, assim a celebro. À República. Tão perfeita, tão perfeita, que permite o presidente que hoje temos. Contradigo-me? Faço ainda pior, assim sendo. Mais vale a fava circunstancial do que o bolo-rei estrutural.
Voltei lá hoje. Pela primeira vez, desde que vocês se foram. Vi-vos nos mesmos sítios onde vos encontrei nos últimos dez anos. Não senti a vossa falta, que a vossa sempiterna presença não deixou. Estou agora em paz. A morte libertou-vos das maleitas da vida, mas a vida que eram – que são − não se deixou levar pela morte. Enquanto o corpo definhava, aos meus sentidos egoístas que não vos queriam deixar ir, não conseguia ver-vos com clareza. Vocês não me viam com clareza. A morte garantiu-nos a vossa vida eterna. Sem dor. A insuportável dor que sentiam não vos deixava viver, não me deixava recordar-vos. A morte foi o santo, senha e contra-senha da vossa imortalidade. Ainda assim, e paradoxalmente, gostava ter tido a oportunidade de vos beijar uma última vez. Hoje. Mais uma vez. De me despedir de quem já não me reconhecia, sempre pensando se seria a última. São estes os paradoxos da existência, caldeirada de egoísmos e altruísmos. Não há dia em que não faça meus os vossos passos, e estou agora à beira de dar mais um. Para me honrar. Para vos honrar. E ao vosso bisneto. E à minha mulher, com quem me casei há oito anos, mas que vocês nunca conheceram. Embora a vissem amiúde. Enquanto escrevo estas palavras, virado para a Estrela, sinto que não o faço sozinho. Não sei se vos cheguei a falar dos meus Deuses. De como não acredito no deus-pronto-a-vestir que a sociedade nos serve. De como acredito noutro tipo de Deuses. De como vocês lá se incluem. Em vez de um deus-ficção, encontrei-Vos. E a Ela. E a Ele. E ao meu Pai e aos Pais dele, meus Avós. E à minha Mãe. E à minha querida Irmã. E a todos os que me são. Aos meus. Deuses bem reais, que toco, que me tocam a cada instante. Que me ajudam a decidir em cada encruzilhada. Hoje, quando regressei à vossa casa, que afinal não era vossa, que se reduzia à casa de espera dum fim de vida, senti-me em paz. A morte − e demorei quarenta anos a aprender isto – é a nascente da eterna presença. Quando não é precoce, como a vossa não foi (tendo em conta os males que vos atentavam e os anos que já tinham passado desde a primeira luz), a morte é como que um renascer para a vida. Madrinha. Padrinho. Escrevemos estas palavras a seis mãos, pelo que sois co-responsáveis pelo que esta vossa herege criatura diz. No teu desapego do corpo, minha avó, teve o meu pai o bom senso de me censurar as palavras que garantiam não acreditar estares num sítio melhor. Como me é hoje evidente, estás agora lá. Num lugar sem dor. Sem contar com os trambolhões que ele insiste em dar, e que o fazem chorar, continuais a viver no nosso filho – vosso bisneto, minha luz − que a estas horas dorme o sono de quem tem um enorme dever. O de vos continuar. A ambos vos vi sorrir quando lhe deram colo, tinha ele 4 ou 5 dias de luz (e mais tarde, de novo, sempre que lhe pegavam). Despertados do que vos atentava, perguntaram-me se era meu. Disse-vos que sim, embora já antevisse que mais do que meu, aquela imensa luz que dele irradiava, era o garante da vossa Imortalidade.
Amo-vos!
O Ministro da Contabilidade da Saúde, a propósito do aumento das taxas moderadoras ("moradoras", como ouvi dizer a uma utente), disse, e cito de memória, que se tratava de cumprir o mandato da troika (a citação pode não ser fidedigna, uma vez que eu andava demasiado atarefado a descascar o meu trabalho em impostos para tapar os túneis da "pérola do atlântico"). Seja como for, a expressão “mandato da troika” foi usada, o que faz do actual Governo de Portugal um mero prestador de serviços, a mando de boches e defrogs. E aqui chegámos. Ora isto são que horas?
Esta resma de gatafunhos na imagem, para além de não respeitar o acordo ortográfico, avançava com uma patetice - vejam bem a ousadia - que afiançava algo como: "Concedemos e confirmamos por autoridade apostólica ao teu excelso domínio o reino de Portugal com inteiras honras de reino e a dignidade que aos reis pertence", Bula Manifestis Probatum, de 23 de Maio de 1179.
Não liguem, é coisa beata e antiga, a caminho dos 900 anos. Nada que se compare com o "mandato da troika". Sigamos, pois!
NOTA: ao menos, que se vendam os direitos da graça da desgraça em título ao Spielberg e que se faça algum dinheiro. Por certo que Manifestis Probatum & Mandato da Troika é bem mais apelativo do queCowboys & Aliens. No eixo fraco-alemão é sucesso garantido. No eixo, disse eu. Muito curioso. No eixo...
Diseur: Mário Viegas
Basta pum basta!!!
Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi. É um coio d'indigentes, d'indignos e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero!
Abaixo a geração!
Morra o Dantas, morra! Pim!
Uma geração com um Dantas a cavalo é um burro impotente!
Uma geração com um Dantas ao leme é uma canoa em seco!
O Dantas é um cigano!
O Dantas é meio cigano!
O Dantas saberá gramática, saberá sintaxe, saberá medicina, saberá fazer ceias pra cardeais, saberá tudo menos escrever que é a única coisa que ele faz!
O Dantas pesca tanto de poesia que até faz sonetos com ligas de duquesas!
O Dantas é um habilidoso!
O Dantas veste-se mal!
O Dantas usa ceroulas de malha!
O Dantas especula e inocula os concubinos!
O Dantas é Dantas!
O Dantas é Júlio!
Morra o Dantas, morra! Pim!
O Dantas fez uma soror Mariana que tanto o podia ser como a soror Inês ou a Inês de Castro, ou a Leonor Teles, ou o Mestre d'Avis, ou a Dona Constança, ou a Nau Catrineta, ou a Maria Rapaz!
E o Dantas teve claque! E o Dantas teve palmas! E o Dantas agradeceu!
O Dantas é um ciganão!
Não é preciso ir pró Rossio pra se ser pantomineiro, basta ser-se pantomineiro!
Não é preciso disfarçar-se pra se ser salteador, basta escrever como o Dantas! Basta não ter escrúpulos nem morais, nem artísticos, nem humanos! Basta andar com as modas, com as políticas e com as opiniões! Basta usar o tal sorrisinho, basta ser muito delicado, e usar coco e olhos meigos! Basta ser Judas! Basta ser Dantas!
Morra o Dantas, morra! Pim!
O Dantas nasceu para provar que nem todos os que escrevem sabem escrever!
O Dantas é um autómato que deita pra fora o que a gente já sabe o que vai sair... Mas é preciso deitar dinheiro!
O Dantas é um soneto dele-próprio!
O Dantas em génio nem chega a pólvora seca e em talento é pim-pam-pum.
O Dantas nu é horroroso!
O Dantas cheira mal da boca!
Morra o Dantas, morra! Pim!
O Dantas é o escárnio da consciência!
Se o Dantas é português eu quero ser espanhol!
O Dantas é a vergonha da intelectualidade portuguesa!
O Dantas é a meta da decadência mental!
E ainda há quem não core quando diz admirar o Dantas!
E ainda há quem lhe estenda a mão!
E quem lhe lave a roupa!
E quem tenha dó do Dantas!
E ainda há quem duvide que o Dantas não vale nada, e que não sabe nada, e que nem é inteligente, nem decente, nem zero!
Vocês não sabem quem é a soror Mariana do Dantas? Eu vou-lhes contar:
A princípio, por cartazes, entrevistas e outras preparações com as quais nada temos que ver, pensei tratar-se de soror Mariana Alcoforado a pseudo autora daquelas cartas francesas que dois ilustres senhores desta terra não descansaram enquanto não estragaram pra português, quando subiu o pano também não fui capaz de distinguir porque era noite muito escura e só depois de meio acto é que descobri que era de madrugada porque o bispo de Beja disse que tinha estado à espera do nascer do Sol!
A Mariana vem descendo uma escada estreitíssima mas não vem só, traz também o Chamilly que eu não cheguei a ver, ouvindo apenas uma voz muito conhecida aqui na Brasileira do Chiado. Pouco depois o bispo de Beja é que me disse que ele trazia calções vermelhos.
A Mariana e o Chamilly estão sozinhos em cena, e às escuras, dando a entender perfeitamente que fizeram indecências no quarto. Depois o Chamilly, completamente satisfeito, despede-se e salta pela janela com grande mágoa da freira lacrimosa. E ainda hoje os turistas têm ocasião de observar as grades arrombadas da janela do quinto andar do Convento da Conceição de Beja na Rua do Touro, por onde se diz que fugiu o célebre capitão de cavalos em Paris e dentista em Lisboa.
A Mariana que é histérica começa a chorar desatinadamente nos braços da sua confidente e excelente pau de cabeleira soror Inês.
Vêm descendo pla dita estreitíssima escada, várias Marianas, todas iguais e de candeias acesas, menos uma que usa óculos e bengala e ainda toda curvada prá frente o que quer dizer que é abadessa.
E seria até uma excelente personificação das bruxas de Goya se quando falasse não tivesse aquela voz tão fresca e maviosa da Tia Felicidade da vizinha do lado. E reparando nos dois vultos interroga espaçadamente com cadência, austeridade e imensa falta de corda... Quem está aí?... E de candeias apagadas?
- Foi o vento, dizem as pobres inocentes varadas de terror... E a abadessa que só é velha nos óculos, na bengala e em andar curvada prá frente manda tocar a sineta que é um dó d'alma o ouvi-la assim tão debilitada. Vão todas pró coro, mas eis que, de repente, batem no portão sem se anunciar nem limpar-se da poeira, sobe a escada e entra plo salão um bispo de Beja que quando era novo fez brejeirices com a menina do chocolate.
Agora completamente emendado revela à abadessa que sabe por cartas que há homens que vão às mulheres do convento e que ainda há pouco vira um de cavalos a saltar pla janela. A abadessa diz que efectivamente já há tempos que vinha dando pela falta de galinhas e tão inocentinha, coitada, que naqueles oitenta anos ainda não teve tempo pra descobrir a razão da humanidade estar dividida em homens e mulheres. Depois de sérios embaraços do bispo é que ela deu com o atrevimento e mandou chamar as duas freiras de há pouco com as candeias apagadas. Nesta altura esta peça policial toma uma pedaço d'interesse porque o bispo ora parece um polícia de investigação disfarçado em bispo, ora um bispo com a falta de delicadeza de um polícia d'investigação, e tão perspicaz que descobre em menos de meio minuto o que o público já está farto de saber - que a Mariana dormiu com o Noel. O pior é que a Mariana foi à serra com as indiscrições do bispo e desata a berrar, a berrar como quem se estava marimbando pra tudo aquilo. Esteve mesmo muito perto de se estrear com um par de murros na coroa do bispo no que se mostrou de um atrevimento, de uma insolência e de uma decisão refilona que excedeu todas as expectativas.
Ouve-se uma corneta tocar uma marcha de clarins e Mariana sentindo nas patas dos cavalos toda a alma do seu preferido foi qual pardalito engaiolado a correr até às grades da janela gritar desalmadamente plo seu Noel. Grita, assobia e rodopia e pia e rasga-se e magoa-se e cai de costas com um acidente, do que já previamente tinha avisado o público e o pano cai e o espectador também cai da paciência abaixo e desata numa destas pateadas tão enormes e tão monumentais que todos os jornais de Lisboa no dia seguinte foram unânimes naquele êxito teatral do Dantas.
A única consolação que os espectadores decentes tiveram foi a certeza de que aquilo não era a soror Mariana Alcoforado mas sim uma merdariana-aldantascufurado que tinha cheliques e exageros sexuais.
Continue o senhor Dantas a escrever assim que há-de ganhar muito com o Alcufurado e há-de ver que ainda apanha uma estátua de prata por um ourives do Porto, e uma exposição das maquetes pró seu monumento erecto por subscrição nacional do "Século" a favor dos feridos da guerra, e a Praça de Camões mudada em Praça Dr. Júlio Dantas, e com festas da cidade plos aniversários, e sabonetes em conta "Júlio Dantas" e pasta Dantas prós dentes, e graxa Dantas prás botas e Niveína Dantas, e comprimidos Dantas, e autoclismos Dantas e Dantas, Dantas, Dantas, Dantas... E limonadas Dantas- Magnésia.
E fique sabendo o Dantas que se um dia houver justiça em Portugal todo o mundo saberá que o autor de Os Lusíadas é o Dantas que num rasgo memorável de modéstia só consentiu a glória do seu pseudónimo Camões.
E fique sabendo o Dantas que se todos fossem como eu, haveria tais munições de manguitos que levariam dois séculos a gastar.
Mas julgais que nisto se resume literatura portuguesa? Não Mil vezes não!
Temos, além disto o Chianca que já fez rimas prá Aljubarrota que deixou de ser a derrota dos Castelhanos pra ser a derrota do Chianca.
E as pinoquices de Vasco Mendonça Alves passadas no tempo da avózinha! E as infelicidades de Ramada Curto! E o talento insólito de Urbano Rodrigues! E as gaitadas do Brun! E as traduções só pra homem do ilustríssimos excelentíssimo senhor Mello Barreto! E o frei Matta Nunes Moxo! E a Inês Sifilítica do Faustino! E as imbecelidades do Sousa Costa! E mais pedantices do Dantas! E Alberto Sousa, o Dantas do desenho! E os jornalistas do Século e da Capital e do Notícias e do Paiz e do Dia e da Nação e da República e da Lucta e de todos, todos os jornais! E os actores de todos os teatros! E todos os pintores das Belas-Artes e todos os artistas de Portugal que eu não gosto. E os da Águia do Porto e os palermas de Coimbra! E a estupidez do Oldemiro César e o Dr. José de Figueiredo Amante do Museu e ah oh os Sousa Pinto hu hi e os burros de cacilhas e os menos do Alfredo Guisado! E (o) raquítico Albino Forjaz de Sampaio, crítico da Lucta a quem Fialho com imensa piada intrujou de que tinha talento! E todos os que são políticos e artistas! E as exposições anuais das Belas-Arte(s)! E todas as maquetas do Marquês de Pombal! E as de Camões em Paris; e os Vaz, os Estrela, os Lacerda, os Lucena, os Rosa, os Costa, os Almeida, os Camacho, os Cunha, os Carneiro, os Barros, os Silva, os Gomes, os velhos, os idiotas, os arranjistas, os impotentes, os celerados, os vendidos, os imbecis, os párias, os ascetas, os Lopes, os Peixotos, os Motta, os Godinho, os Teixeira, os Câmara, os diabo que os leve, os Constantino, os Tertuliano, os Grave, os Mântua, os Bahia, os Mendonça, os Brazão, os Matos, os Alves, os Albuquerques, os Sousas e todos os Dantas que houver por aí!!!!!!!!!
E as convicções urgentes do homem Cristo Pai e as convicções catitas do homem Cristo Filho!...
E os concertos do Blanch! E as estátuas ao leme, ao Eça e ao despertar e a tudo! E tudo o que seja arte em Portugal! E tudo! Tudo por causa do Dantas!
Morra o Dantas, morra! Pim!
Portugal que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mas atrasado da Europa e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degredados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
Morra o Dantas, morra! Pim!
José de Almada Negreiros
Poeta d'Orpheu
Futurista e Tudo
1915
Se fizer parte do Grande Plano da Troika e da...que...le...se...nhor...que...fa...la...ti...po...xa...nax... mudar-nos os nomes para algo mais perto do imenso e eterno e mui racional e sempre igual branco, se isso for bom para o negócio do défice ou para a depressão que vem ou não se vem ou para o superavit da ansiedade que esta imensa ficção exige ou para os mercados poderem voltar a nós ou nós a eles, se for mesmo importante para reduzir o que tem de ser aumentado e aumentar o que tem de ser reduzido, se algo como o Imposto Sobre o Apelido e o Nome Próprio estiver a ser cogitado pelas grandes mentes da pulp-fiction dos anos 50, eu candidato-me já à graça em título -- pagando a taxa devida, pois claro. Às escondidas, vou pedir aos meus amigos escondidos que, às escondidas, me tratem por Artoo-Detoo, com maiúsculas e tudo. Sempre é melhor que nada. Isto até que um deles me denuncie, pois está claro, que a vida não está fácil e os fatos-de-treino brancos andam pela hora da morte.
Não, não brinco com coisas sérias. Não gosto é de ver a minha inteligência e o meu trabalho e os meus destinos insultados a cada dia, a cada hora. A cada respirar do senhor que prefere dar aulas de pé, como que para melhor nos hipnotizar. Dum lado para o outro, poing-ping, como num jogo de ténis falado em slow-motion. Não me convencem que isto é que é, que assim é que tem de ser. Porque, assim como as há jurídicas, esta é uma imensa ficção. Ainda não tive foi paciência para a (des)qualificar, mas nada disto existe, nada disto é fado, tudo isto não passa duma teia cuja aranha se esqueceu que fios não pode pisar. Estamos enrolados numa imensa e perigosa e insinuante canção de embalar, convencidos (persuadidos) que o monstro está debaixo da cama. Se calhar, acabo de publicar isto e entram-me aqui um senhores de metralhadora, por este tribunal onde perco mais uns passos. E levam-me. E apagam-me das fotos. E enchem-me a família de comprimidos que a fará acreditar que aquele outro sou eu. De que mais querem convencer-me? Sou todo vosso! É fartar, vilanagem!
Bem, agora tenho quase de ir. Estão ali a chamar-me. E ainda pelo meu nome antigo, há que aproveitar. Não vou poder rever isto. Ora aí vai... Se eu não escrever mais nada até ao fim-de-semana, não chamem a polícia. Continuemos a fazer de mortos. É capaz de ser mais saudável. E estas camisas que nos puseram, com estas mangas esquisitas e assim compridas, como se fosse só uma, são bem giras. Fazem lembrar os tempos do bibe infantil.
Sempre branca de corada. Em menos de dez minutos, soltou e prendeu o cabelo perto de uma centena de vezes e à roda do mesmo em maneiras e feitios. Quando liberto ao vento que não soprava, a cabeça caia-lhe para a frente e depois para trás. Com força. Com demasiada força. Não como se vê nos anúncios a champôs. Teria 20 anos. Talvez 16. Trikinou, bikinou e trikinou de novo. Vezes sem conta. Não monokinou. Mexeu na carteira de ir ao pêssego que destoava no areal, abriu-a e fechou-a. Vezes sem conta. Fechou-a fechada, abriu-a aberta. Quando sincronizada, enfiava uma mão lá dentro. A outra usava-a em concha para esconder o riso que sabia feio. O que lhe havia de acontecer, pensou como pôde. E a cabeça doía-lhe, do hábito que não tinha. Encostou a boca aos ouvidos das amigas, como quem diz coisas; levantou-se e sentou-se e levantou-se de novo. Vezes sem conta. Até à náusea. Sempre com um ar de tédio excessivamente simulado. Procurava-o; assim que o encontrava desfocava os olhos em direcção ao horizonte que todos temos além de nós. Quando se foi embora, as pernas quase lhe fugiram. Um quase que um dia há-de maldizer. Contrariou-as e seguiu as amigas. Parte dela. A pequena e roliça inglesa não voltará a ser a mesma. Daqui a 20, 30, 40 anos ainda pensará naquele nadador salvador. O seu primeiro amor. As fracas pernas a que desobedeceu e que lhe podiam ter mudado a vida. E em como tudo começou e acabou. Um dedo atrevido que ainda hoje lhe percorre o braço. Um papel amarrotado atirado para a toalha de praia. How dru iu dru, draling?
No dia em que "as acusações de abuso sexual contra o político francês Dominique Strauss-Kahn foram (...) retiradas pelo juiz Michael Obus, do Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Nova Iorque", e porque pouco mais tenho a acrescentar o que já disse, publico de novo o que aqui disse em 1 de Julho de 2011. Hoje foi só mais um capítulo, que não o epilogo, desta história. É que, parece que ainda há por aí muitas Tristane Banon subitamente tão inconsoláveis e traumatizadas como aquela se apresenta nas imagens que atrás linko. Entretanto, a presidência do FMI já mudou de mãos e, ao que tudo indica, a candidatura às presidenciais francesas já está definitivamente posta de lado. Para tudo, pouco mais de três meses bastaram. Já podem soltar o homem!
Em 17 de Maio de 2011, escrevi isto: "Strauss-Kahn pode ser culpado ou inocente. Pode ou não ter sido alvo de uma conspiração. A verdade é que, lamento o aborrecido lugar-comum, a presunção de inocência está a ser fortemente pontapeada. O processo penal norte-americano, pelo menos no que tange à exposição pública do arguido no período pré-condenação judicial, está a anos-luz da civilização. Não há nenhum motivo para milhões de pessoas terem visto aquele homem ser reduzido a cinzas antes de ser julgado. Culpado ou inocente, aquelas imagens, só possíveis numa sociedade medieval, marcarão para sempre o futuro daquele homem. E do meu também. Só em letras e rabiscos tinha visto um auto-de-fé. Ontem, vi um ao vivo. Já agora, e não posso deixar de o dizer, nada justifica que Strauss-Kahn esteja detido nesta fase processual. As alternativas eram mais que muitas e todas exuberantemente suficientes e adequadas. E assim se condenou o homem, antes mesmo de ser julgado. Melhor, e assim a "justiça" condenou o homem antes mesmo de o julgar. Mais rápida do que a própria sombra. Os media, esses, limitaram-se a estar lá para fotografar a infâmia."
Hoje, 1 de Julho de 2011, após a demissão do cargo, dois dias depois da eleição da sua sucessora, surgem notícias que levantam dúvidas sobre a veracidade do depoimento da mulher que o acusou: "The sexual assault case against Dominique Strauss-Kahn is on the verge of collapse as investigators have uncovered major holes in the credibility of the housekeeper who charged that he attacked her in his Manhattan hotel suite in May, according to two well-placed law enforcement officials. Although forensic tests found unambiguous evidence of a sexual encounter between Mr. Strauss-Kahn, a French politician, and the woman, prosecutors now do not believe much of what the accuser has told them about the circumstances or about herself. Since her initial allegation on May 14, the accuser has repeatedly lied, one of the law enforcement officials said." [ler o resto no NYT]
Dê o caso no que der, o que hoje vem a lume é suficiente para eu aqui reiterar e acreditar cada vez mais no que disse no dia 17 de Maio. A verdade é uma só, se DSK não for culpado nada pode fazer contra a pena acessória que, logo de início, a justiça americana lhe colocou às costas. Falarei mais sobre este caso, mas no entretanto, gostava muito, mesmo muito, de ouvir o que tem a senhora Gomes a dizer. É que, ao contrário do que ela deixou mais do que entrelinhado, primeiro julga-se, depois, se for o caso, condena-se. E não é a ela, nem ao resto da populaça, que cabe tal papel. O papel dela é dos mais fáceis: basta fechar a matraca e baixar o dedito acusador.
Que o molde não se partiu (julgo que as palavras em título foram usadas por Guerra Junqueiro para definir João Franco). Assim de repente? Quantos fome-negras fazem vida desta forma de vida? Quantos choram lágrimas de crocodilo enquanto os seus NIB correm activos? Quantos novos Fachos hoje comem da mesma gamela em que tanto cuspiram? Quantos homens de preço certo? Quantos sempre do lado certo, sem que ninguém se incomode ou dê por isso? Quantos usam o photoshop para retocar o passado, para retocar a alma? Quantos estão na sombra à espera de vez? Quantos esperam por ver o nome na coluna certa do Diário da República? E até onde descem para o conseguir? Quantos não dormirão, ainda assim, o sono dos justos? Que a praxis é velha, e já não há mal nenhum em andar de código de barras na testa?; e burros são os outros! Quantos?
Adianto um pequeno comentário, que maiores reflexões ficarão para depois. Nasci no concelho do Fundão, vivo no concelho do Fundão, leio a notícia no Jornal do Fundão. Não há troika nenhuma e não há yes man nenhum em forma de PM que mudarão o que quer que seja -- mesmo porque os milhões daquela não vêm cá parar, e até os da CEE e, depois, os da UE, pouco por cá se viram (se comparado, em proporção, com o que aconteceu por esse litoral acima e abaixo). Não pagarei -- muito menos desta forma -- os cheques carecas de Lisboa (nem as dívidas do Município do Fundão, a propósito). Acabar com o município do Fundão, para além de ser uma imoralidade, é mais uma machadada no Interior. O Fundão integrado na Covilhã é algo de tão praticável como, sem querer beliscar a grandeza da Covilhã (bem pelo contrário), meter o Rossio na Betesga (o inverso, integrar a Covilhã no Fundão, seria a mesma coisa). É péssimo para o Fundão e mau para a Covilhã. Ficamos todos a perder. E Portugal também. Lisboa e os habitantes de troika, esse planeta distante, não devem confundir os municípios e freguesias a martelo que pululam no Litoral (e também no Interior) com casos como os do Fundão. E não, não é por aqui ter nascido que o digo. É uma manifesta evidência, uma realidade intemporal. Basta dar cá um salto para perceber isso. Habitantes de Troika, vinde em paz e vos explicaremos as coisas como elas são (garanto que não daremos uso ao pelourinho). Explicaremos, por exemplo, que uma daquelas freguesias de Lisboa (uma qualquer) que se manterá como tal, não vale a troca-por-troca com que nos ameaçam (bem sei que muito passa por aí). Por agora é só, que isto exige maior ponderação e melhor trato na argumentação.
- Olha, sabes?, eu estou com poucas forças para andar no carrossel, mas vou tentar!
Lá estive, hoje, à hora por marcada. A mui douta sentença de insolvência dizia algo como isto: “Assembleia de Credores, 5 de Agosto, 14 horas”. E lá cheguei eu, eu e os demais, à hora marcada. Gastei 120 km de gasóleo, que o meu cliente terá de pagar. Houve quem gastasse mais, vieram de partes mais longínquas; houve quem gastasse menos. Mas todos os presentes gastaram tempo e, como vexa saberá, tempo é dinheiro.
Às 14h15, vieram informar-nos que desconheciam o paradeiro de vexa – assim mesmo −, que estaria algures entre as três comarcas que o turno lhe exige. Lamento que os turnos em férias judiciais exijam a vexa uma espécie de dom da ubiquidade – e dou de barato que assim foi e que vexa não é uma espécie de deus menor, daqueles munidos dos pequenos poderes que enxameiam este nosso Portugal, incapaz de avisar que não vai poder estar presente.
Entre Advogados e Administrador de Insolvência, decidimos aguardar mais meia-hora, dando tempo a vexa que lograsse a boa-fortuna de ter rede (aquela coisa que faz trabalhar os telefones móveis), algures entre as deslocações que o sistema (esse romeiro em contramão) lhe demanda.
Às 14h45, a melhor perspectiva que tínhamos era a de que vexa estivesse a caminho de uma comarca limítrofe, prestes a atarefar-se com alguma urgência de última hora; coisa imperativa que impedia vexa de pegar num telemóvel e de mandar dizer-nos algo como: “ide em paz, lamento imenso, mas vamos ter de adiar isto”.
Nada disto sucedeu, pelo que tivemos de ditar para a acta a realidade do sucedido. Em suma, tendo em conta a falta de rede entre o telemóvel de vexa e o resto do mundo, e considerando que tínhamos mais que fazer, resolvemos ousar lavrar a nossa impossibilidade de esperar mais por boas-novas acerca da saúde de vexa e do m.mo telemóvel que o serve.
Despeço-me agora, com o desejo de que tudo esteja bem, de que nada de grave lhe tenha acontecido, e de daqui a 2 meses ou coisa que o valha, estejamos finalmente a decidir o futuro daquela pessoa a quem a má-fortuna atentou. Não será vexa a estar presente, bem sei, que entretanto acabam-se as férias judiciais, e o titular do processo lá tomará conta da ocorrência.
Todos os presentes se ausentaram, pois, do Tribunal; todos bastante aflitos pelo insólito atraso e pela gravidade que o dito podia encerrar, não pelo dinheiro necessário para as novas publicações em Diário da Republica – o Estado lá pagará a rodada −, não pelo tempo precioso que perdemos (faço amanhã, o que azar de vexa, “derivado” à falta de rede, com o devido respeito e muito respeitosamente, não me deixou fazer hoje − aquelas horas eram realmente horas preciosas, se gastas a trabalhar na encomenda das 14h ou noutros assuntos).
Espero que tudo esteja bem e que o despacho de vexa, assim o tempo lhe permita lavrá-lo, justifique cabalmente − desculpe vexa a ousadia − a razão de eu e outros termos gasto tempo e dinheiro a ir ao encontro agendado com vexa. Ao encontro a que vexa faltou. Estou certo que a justificação me será suficiente e que me fará maldizer a má-fortuna da fraca cobertura da rede de telemóvel que assola este país.
Espero, pacientemente, o deferimento de vexa, pois. É que, apesar de apenas me abeirar dos 40 anos, cada vez me vai faltando mais a paciência para aturar as faltas de respeito a que o Estado obriga vexas a perpetrarem, pelos fracos meios de comunicação que coloca ao dispor de vexas. Perdoe-me agora, vexa, o aparte, mas há inúmeros colegas seus que já mudaram de rede, o que lhes possibilita estar a horas, o lamentar o atraso, o avisar previamente – a tempo de eu não despejar gasóleo não-agrícola no depósito − que a diligência não se vai realizar. Tivesse a rede do telemóvel de vexa permitido comunicar ao tribunal que vexa se encontrava a caminho e ainda agora por lá me encontraria à espera.
Tenho imenso respeito e obedeço de forma quase irracional às redes de telemóvel que se dão ao respeito.
Amanhã, Sábado, por causa da rede que faltou a vexa (e que eu, humildemente, respeito e compreendo), lá estarei no escritório a repor as horas que hoje me escassearam. Se eu sonhasse que por isso não foi (por causa da rede que falhou), que não foi esse o motivo, aqui estaria a acrescentar um éme ao vexa de que tanto abusei. Não é o caso, que bem sei que vexas não vexam.
E.D.
(hoje, o meu filho está particularmente inspirado)
«Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...»
As palavras que encimam estas linhas, assim como o título que as anuncia, são de Alexandre O'Neill. As que seguem, bem mais pobres, são da minha lavra. Portugal é a minha terra, o meu amor-ódio, a minha razão e a minha loucura, o meu vício e … o meu vício. Porque só por vício se aguenta este país que aprendi a amar; e que depois me desaprenderam.
Comecemos pela Justiça, por este pilar que, ao invés de destro, cada vez mais se escreve por mãos que industriaram a ser canhestras. E que se orgulham disso; quem ensinou e quem aprendeu. Aos gritos de “acudam-me”, a Justiça desmorona-se a cada dia, refém de processualismos bacocos, de códigos que não param quietos, de prazos que só são peremptórios para quem a ela recorre, não para quem a faz (ou a arremeda). Falo de uma Justiça que diariamente se nega, duma Justiça onde Procurador e Juiz entram pela mesma porta. Partilham o mesmo estrado, fazendo-nos olhar de baixo para cima. Defendo veementemente o posicionamento cimeiro do magistrado que decide; tal é necessário para que se perceba e se aceite que a decisão vem de cima. Não do Juiz – não daquele Juiz −, mas do Estado de Direito que nos regula. E aqui é que a porca torce o rabo. E torce-o duas vezes na mesma direcção. Não aceito que o procurador esteja à minha frente, não aceito que esteja num plano mais alto que o meu, Advogado, ao lado do Juiz – em direito penal, é como que virar do avesso, pela via arquitectónica, a presunção de inocência. Ele, o acusador, está lá em cima. Nós, os reles defensores, num processo que eles leram (quando leram) à pressa e de esguelha (quem acusa, só por mera coincidência é quem se empina na Casa Grande por essa acusação), começamos por baixo. A tentar subir escadas, para provar atenuantes, para provar, pasme-se, inocências. Aquele estrado é uma metáfora da violação diária da presunção de inocência de que atrás falo.Este senhor que me ladeia, do alto deste estrado, diz isto de ti, agora defende-te; prova aí de baixo que é tudo um erro! Aprecio particularmente as instruções, onde o procurador está presente, uma em cada cem vezes, nas diligências instrutórias. Já aos debates vem sempre, umas vezes pedir Justiça, outras debater sobre o que não ouviu. Sobre o que desconhece. Disto se vai fazendo a Justiça.
Abro agora um enorme parêntesis para aqui excepcionar os Juízes e Procuradores que, embora do estrado, não são nada disto. Não fazem nem permitem nada disto. Já trabalhei – e trabalho – com Juízes cuja seriedade e competência não deixam margem para dúvidas. Já trabalhei – e trabalho – com Procuradores que cumprem o ritual da arquitectura, mas que não se põem em bicos-de-pés no estrado que o Estado lhes oferece. Não é o perder e o ganhar – palavras algo arrogantes – que me conduzem estas linhas. Já perdi e já ganhei. Não gosto é de ver uma condenação, civil ou criminal, ditada pelos pequenos poderes de quem se toma – ele, pessoa – por um órgão de soberania.
Não sou nenhum anjinho, entendam-me, nem posso sê-lo; não me fico pela decisão da primeira instância, se puder utilizar as armas que o processo me dá para a virar do avesso na Relação. Não sou Juiz, não sou Procurador. Posso ser parcial. Devo ser parcial. Tenho mesmo de o ser. Eles é que não.
Em suma, ou remendam tudo isto, e passamos, mero exemplo entre muitos que podia dar, a ter uma Relação que efectivamente reaprecia a prova, sem a cantiga do costume: o juiz a quo que esteve na singular posição de olhar as testemunhas nos olhos e blá-blá-blá…, ou então não vale a pena andar a mudar diariamente os códigos (actualmente, tenho de me haver com três versões diferentes do Código de Processo Civil; sou obrigado a andar a verificar se o processo deu entrada em Abril ou em Maio – assevero que isto não é uma parábola). Temos excelentes Juízes e excelentes Procuradores. E, assim como temos péssimos licenciados em direito inscritos na Ordem e que se assinam advogados – que nunca deviam ter passado no crivo da Ordem (e aqui dou razão ao meu Bastonário) −, temos também excelentes Advogados. Temos tudo para dar certo, pese embora o que acima disse. Para isso é necessário que o legislador se imponha aos corporativismos, mas também que se abra às justas reivindicações. Sem boa mão-de-obra, sem boa matéria-prima, jamais serão possíveis bons resultados. A propósito de matéria-prima, e aqui falo das leis que nos regem, há que parar com a diarreia legislativa que nos assola; deixem o pentelho em paz, mudem o que realmente deve ser mudado. Comecem, por exemplo, pelo famigerado e anedótico Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, que parece ter sido escrito à desgarrada (ora berras tu, ora grito eu), como que um Cadavre exquis mal disfarçado.
À desgarrada, e em vómito, vai também este post, mas como não estou a ditar sentenças nem a mexer com a vida das pessoas, sinto-me livre para o fazer. E chega de Justiça, por hoje. Avancemos para o outro pilar, que insiste em não deixa cair sozinho o semelhante de que atrás falei. Aliás, este é o mais velho dos dois. Se aqui corre mal, na Justiça também nada corre bem. Falo agora da Educação. Os facilitismos para o “olhó passarinho” da fotografia que a Europa nos exige, conduziram a que parte dos nossos alunos – do nosso futuro – cheguem pouco mais que analfabetos às Universidades. A iliteracia impera. Sabem ler, sabem escrever (mal e mal, respectivamente), mas não entendem o que lhes é exigido, o que lhes é perguntado. Perguntam-lhes como está o tempo e eles olham para o relógio. São dez prás dez, professor. Também aqui abro uma excepção, talvez do tamanho da regra, ou não teria dois ex-alunos a partilhar comigo esta pegada. A maior parte dos meus alunos são óptimos, aprofundam as questões, discutem-nas nas aulas. Defendem-se fervorosamente. Sabem o que querem e para onde querem ir. E eis que chegam as provas escritas. E eis que chegam as provas escritas… E o caldo entorna-se. Tive várias experiências com alunos Erasmus (polacos, romenos, espanhóis). A diferença é patente, manifesta-se até às lágrimas. A Madalina, por exemplo, que vai deixar por aqui as suas pegadas, é romena. Muitas vezes me respondia em inglês às perguntas que eu lançava em português. Raras vezes não era a primeira. Falo da Roménia, note-se (que acabou com o que a atentava bem mais tarde do que nós). Lembro-me de um ano em que três espanhóis responderam em português quase perfeito às questões que em português lhes eram colocadas nas frequências.
E onde pára a culpa de tudo isto? Remonta aos papás, que consolam os seus rebentos com a última consola da moda. Lá em casa parece que os livros são proibidos (não prescindem é de filhos dótores). E não vou ser eu, por mais que tente, que vou dar a volta a tudo isso. Como raio vou obrigar um aluno a perceber o que é uma norma jurídica, se eles não percebem as normas que regem a língua que falam? Acresce que, nos últimos anos, muitas excepções à parte, tenho tido alunos resignados. Tenho tido demasiados alunos conformados com o futuro que este país lhes reserva. Licenciatura de Bolonha, mestrado de Bolonha, desemprego de Bolonha. Lamento muito, mas daqui pouco posso fazer. Agora temos um Ministro da Educação que fez de bandeira de vida a exigência. Que se insurgiu contra o facilitismo nas provas de matemática. Agora, e por isso me interessa cada vez menos a paleta de cores da política, vamos ser ver se ele aproveita para acabar com este forrobodó do ensino a metro para alemão ver. So he can talk the talk but can he walk the walk? Vamos ver se deixamos de querer ser os melhores alunos da Europa para passarmos a ter os melhores alunos da Europa.
Esta coisa já vai assim um bocadinho para o longa (é de borla, o eufemismo), mas não posso terminar sem desdizer o que vai em título. Portugal tem gente que pode contrariar o poeta e fazê-lo, daqui a uns anos, parecer que fala de um país que já não é assim. Portugal pode ser mais do que o sol, o sal, o sul. Basta extirpar este país dos fome-negras que nos dão mau nome, dos políticos que se governam, daqueles que, de Maquiavel em punho, e na expressão, aqui descontextualizada, de Laars Saabye Christensen, mentem cingindo-se à verdade (coisa que agora entrou mesmo na moda).
Como dizia um aluno meu, este ano, e aqui reabro o parêntesis das excepções, aqui reabro a minha mágoa (homens e mulheres capazes não nos faltam, o país é que não lhes dá uso): "há que acordar!, não com a singela vontade de arranjar emprego para aguentar os meses que se sucedem, mas com a vontade de arranjar trabalho para esta gente toda". Ele, do alto dos seus 18 anos ou coisa que o valha, sei que vai caminhar o caminho que traçou.
E nós? Continuamos assim? Olhando para este nosso país como um “golpe até ao osso”? Ajuntamento pontual de “perdigueiro[s] marrado[s] e sem narizes, sem perdizes”.
“Meu remorso”? Herança dos nossos filhos?
Em termos de oferta, não passa, actualmente, de uma livraria um pouco acima da média. Os livros velhos já se foram, restam apenas meia-dúzia; mas aquele cheiro...; àquela essência impregnada nos móveis - que nenhum best-seller dos tempos que correm desanuviará - gostava de a engarrafar e de me chuviscar com ela, nos momentos melhores e nos menos bons. A Havanesa, na Figueira da Foz, tem dos melhores cheiros a livros que ao meu palato olfactivo já foram dados a ver. Entrei lá e disse isso mesmo, à senhora que estava à balcão. Vim só para cheirar. Acabei por ir remexer nos livros com cheiro que restam e saí de lá com O Futuro Federalista de Europa, de Dusan Sidjanski, colheita de 96 (nem chega a ser reserva), com prefácio de José Manuel Durão Barroso (estou curioso por ler o que prefaciava Barroso, em 96, a propósito da Europa). No papelinho do preço, vejo que começou por custar 3.900$00. Mais tarde, passou a € 19,45. Comprei-o por dois euros.
Ouvi agora o Presidente da República dizer que temos de apostar na produção agrícola portuguesa, que não faz sentido importarmos tanta fruta (ele estava numa exploração de uvas), tendo em conta com as excelentes condições climatéricas que temos para produzir melhor e mais barato. O objectivo seria, pois claro, diminuir as importações de produtos que não faz qualquer sentido importarmos.
Belas declarações, que eu cito de memória e assino por baixo. Porém, no fim da reportagem, tentei puxar pela memória, também ajudado por umas declarações do Presidente do CA da Jerónimo Martins, e raios me partam (passe a expressão, não vá o diabo tecê-las) se me consigo lembrar quem era o Primeiro-ministro que mais contribuiu (que menos evitou?, mais permitiu?) para que os agricultores deixassem de produzir, arrancassem as árvores e as plantações, tudo em troca de uns milhares de ecus. Quem seria o PM do tempo em que os tractores tinham cara de jipes? Quem seria o PM que pouco ou nada fez para controlar os usos e abusos dados aos dinheiros comunitários? Em suma, quando os boches nos pagavam para deitar fora o leite da vaquinha, em troca do leite que agora lhes compramos, quem foi o responsável político que caiu que nem um patinho e nada fez? Será que esse senhor (ou senhores) já percebeu qual a razão de tantos cheques em branco? Será que essa gente faz mea culpa e bate com a mão no peito quando olha agora para os nossos campos em branco? Ou atiram as culpas para o Sócrates?
Acabei de ouvir na France24 uma "jornalista" perguntar a um comentador algo como: "até que ponto as mulheres evitarão queixar-se de violação, tendo em conta a forma como esta mulher está a ser tratada?" Por esta inqualificável afirmação em forma de pergunta, fica claro que os danos causados na imagem de DSK (independentemente de este ser culpado ou inocente, coisa que não me cabe a mim aferir) são nesta altura irreversíveis. E fica também demonstrado que, ainda que DSK saísse hoje em liberdade com um pedido de desculpas do Estado de NY, a viabilidade da sua candidatura à presidência da República francesa seria praticamente nula.
Em 17 de Maio de 2011, escrevi isto: "Strauss-Kahn pode ser culpado ou inocente. Pode ou não ter sido alvo de uma conspiração. A verdade é que, lamento o aborrecido lugar-comum, a presunção de inocência está a ser fortemente pontapeada. O processo penal norte-americano, pelo menos no que tange à exposição pública do arguido no período pré-condenação judicial, está a anos-luz da civilização. Não há nenhum motivo para milhões de pessoas terem visto aquele homem ser reduzido a cinzas antes de ser julgado. Culpado ou inocente, aquelas imagens, só possíveis numa sociedade medieval, marcarão para sempre o futuro daquele homem. E do meu também. Só em letras e rabiscos tinha visto um auto-de-fé. Ontem, vi um ao vivo. Já agora, e não posso deixar de o dizer, nada justifica que Strauss-Kahn esteja detido nesta fase processual. As alternativas eram mais que muitas e todas exuberantemente suficientes e adequadas. E assim se condenou o homem, antes mesmo de ser julgado. Melhor, e assim a "justiça" condenou o homem antes mesmo de o julgar. Mais rápida do que a própria sombra. Os media, esses, limitaram-se a estar lá para fotografar a infâmia."
Hoje, 1 de Julho de 2011, após a demissão do cargo, dois dias depois da eleição da sua sucessora, surgem notícias que levantam dúvidas sobre a veracidade do depoimento da mulher que o acusou: "The sexual assault case against Dominique Strauss-Kahn is on the verge of collapse as investigators have uncovered major holes in the credibility of the housekeeper who charged that he attacked her in his Manhattan hotel suite in May, according to two well-placed law enforcement officials. Although forensic tests found unambiguous evidence of a sexual encounter between Mr. Strauss-Kahn, a French politician, and the woman, prosecutors now do not believe much of what the accuser has told them about the circumstances or about herself. Since her initial allegation on May 14, the accuser has repeatedly lied, one of the law enforcement officials said." [ler o resto no NYT]
Dê o caso no que der, o que hoje vem a lume é suficiente para eu aqui reiterar e acreditar cada vez mais no que disse no dia 17 de Maio. A verdade é uma só, se DSK não for culpado nada pode fazer contra a pena acessória que, logo de início, a justiça americana lhe colocou às costas. Falarei mais sobre este caso, mas no entretanto, gostava muito, mesmo muito, de ouvir o que tem a senhora Gomes a dizer. É que, ao contrário do que ela deixou mais do que entrelinhado, primeiro julga-se, depois, se for o caso, condena-se. E não é a ela, nem ao resto da populaça, que cabe tal papel. O papel dela é dos mais fáceis: basta fechar a matraca e baixar o dedito acusador.
Strauss-Kahn pode ser culpado ou inocente. Pode ou não ter sido alvo de uma conspiração. A verdade é que, lamento o aborrecido lugar-comum, a presunção de inocência está a ser fortemente pontapeada. O processo penal norte-americano, pelo menos no que tange à exposição pública do arguido no período pré-condenação judicial, está a anos-luz da civilização. Não há nenhum motivo para milhões de pessoas terem visto aquele homem ser reduzido a cinzas antes de ser julgado. Culpado ou inocente, aquelas imagens, só possíveis numa sociedade medieval, marcarão para sempre o futuro daquele homem. E do meu também. Só em letras e rabiscos tinha visto um auto-de-fé. Ontem, vi um ao vivo. Já agora, e não posso deixar de o dizer, nada justifica que Strauss-Kahn esteja detido nesta fase processual. As alternativas eram mais que muitas e todas exuberantemente suficientes e adequadas. E assim se condenou o homem, antes mesmo de ser julgado. Melhor, e assim a "justiça" condenou o homem antes mesmo de o julgar. Mais rápida do que a própria sombra. Os media, esses, limitaram-se a estar lá para fotografar a infâmia.
Vivo nas alturas; não por causa da Estrela que me encima e observa de frente, mas porque o peso do litoral me eleva e quase afoga. E, literal e negra gravitas, o resto da semi-jangada de pedra alteia-se e rebaixa-se, tamanho é o peso da estrutura litoralista. Tudo o que se passa além litoral, não se passa. Lisboa e Porto. Braga e Coimbra. Chelas... Não me identifico com um país que nos olha − me olha − como um espécie de ultramar do tempos que podem. A expressão “pretos da Guiné” ainda troveja. Simplesmente, não contamos. Pois que se todos somos pastores. As vacas que pastoreamos valem meia-súcia de representantes na deífica capital. O cabeça de lista do PSD em Castelo Branco é um gajo que conhece bem a realidade beirã. Nasceu nos Açores. O do PS é um pára-quedista chamado Sócrates – parece que viveu por aqui. De porém em se – quando lhe dá jeito -, usa isso como apostilha biográfica. Sócrates é a nossa metáfora. Somos uma nota à margem neste vosso Portugal, demasiado pequeno para divisionismos ridículos. Direis… Assim não digo eu, que o cansaço dá em dor, a dor em revolta, a revolta em cansaço. E assim por diante. Cansei-me de ver a minha A23 comparada a uma daquelas A´s não-sei-o-quê do Norte que deixaram de ser scuts. E tão revoltados que eles estão, que passaram a ter apenas sete alternativas e meia. Já nós, sem A23, temos uma alternativa viável, sim. Partindo do princípio que a A23 foi quase toda construída em cima dum IP, a alternativa desobstruída chama-se mandar este pais bardamerda, que Espanha e os “assustadores” 20% de desemprego ficam ali ao virar da esquina. Cáceres, Badajoz, Salamanca estão-me mais próximos do que a vaidosa e arrogante e árida Lisboa, terra que aos 18 amei e aos 30 odiei. Agora, com quase 40, fujo dela como − asseveram-me a fidelidade metafórica − o diabo foge da cruz. O único PIB que me interessa, hoje por hoje, seria um Partido do Interior Beirão. Hilariante, não? Meia dúzia e meia de deputados elegíveis, assim mesmo, daqueles que Sócrates à parte, se sentam na fila dos mudos. Em 1, 2, 3, segundos, digam-me… Quem é Costa Neves? Google it e gozem-nos. E à suivre, por entre as gargalhadas de quem vive a 10 kms de Lisboa e demora três hora a lá arribar. A ver vamos, que o enfado é grande e o pessoal não é assim tão pouco. E afianço-vos, daqui a Viseu, de Viseu a Portalegre, da Guarda a Beja, demora-se menos tempo do que de Ranholas ao Rossio. E daqui a Espanha, então, é um saltinho. Olivença é deles!
Vejo que Obama organizou uma festa para comemorar o assassinato de um homem. Era um monstro, o homem. Matou milhares de pessoas, o monstro; e temo que a sua martirização venha a provocar muitos mais. Se tivesse oportunidade de estrangular o monstro-homem com as minhas próprias mãos, fá-lo-ia sem hesitar. Mas não comemoraria, ficaria apenas feliz, no recato sem alma a que se deve remeter quem mata. Como já disse algures lá para baixo, a comemoração da morte do monstro aproxima-nos do fundamentalismo do homem cuja morte se comemora. Hoje, dei por mim a questionar-me sobre o que faria Bush no lugar de Obama. Concluí que deitaria os mesmos foguetes das canas que Obama agora apanha com regozijo. Bem sei que as eleições estão ao virar da esquina, mas sei ainda melhor que o homem que eu julgava ser Obama não nos serviria a cabeça do monstro numa bandeja de pirite. Valesse isso o que valesse. Este post está mal intitulado; o desencanto escreve-se ingenuidade. A minha.
Não pense mais nisso; lembre-se que o subsídio de desemprego está a acabar, que tem o banco à perna por causa do atraso no pagamento das prestações do mútuo da casa, a milagreira do crédito fácil por causa do plasma que comprou em quinhentas prestações, o outro banco por causa do BM importado, o seu pai por causa do autógrafo que você pediu ao seu avô no verso daquele papel que afinal era uma livrança (bom para aval não é uma marca de vinho, seu sacana). Lembre-se também que você é realmente um miserável, que é essencialmente por causa de pessoas assim, devedores relapsos e que fazem disso ofício, que o país está como está, que as empresas se afundam e que com elas se afogam outras. Lembre-se que, por causa de gente como você, há trabalhadores (gente que realmente trabalhava e poupava) que estão também no desemprego; por causa das tais empresas que você, Legião, ajudou a levar ao buraco. Lembre-se disso tudo, deixe lá o Benfica ou o Sporting ou o raio que o parta, venda o plasma, dispa o fato-de-treino e arranje uma vida ou vá sentar-se num banco de jardim. Aquelas quatro pessoas lá dentro, enfiadas naquele cubículo, são os seus três filhos e a sua mulher, a mesma a quem você pregou dois estalos quando o jogo acabou. Reze para que ela amanhã não decida arranjar um advogado que garanta forma de lhe fazer a vida (a si, bem entendido) num inferno. Já eu, que não rezo, rezo para que ela ganha juízo e faça duma vez o que tem de fazer. E que lhe arranje uma vida bem negra. E olhe, embora gente como você, que aqui se vê retratado, me dê vómitos, apenas lhe desejo que arranje forma de não estropiar mais este país. O Governo?, sim, tem uma parte grande da culpa, sendo a maior o ter permitido que um verme como você tenha recusado trabalho atrás de trabalho, enquanto andou dois anos a mamar na teta do Estado. Mais uma coisinha! Quando um seu amigalhaço lhe arranjar um biscatezinho em forma de tacho numa qualquer "função pública", lembre-se que não pagar a pensão de alimentos aos três infelizes que ajudou a colocar no mundo é crime. Este post aborreceu-o? Se foi só por ter utilizado a derrota do Benfica como mote, deixe-se disso; o futebol não é para aqui chamado e a carapuça não lhe serviu. Caso o motivo do aborrecimento esteja relacionado com algum espelho que por aqui viu, olhe, vá-se habituando, que é assim que a sociedade deve olhar para gentalha como você. E acredito que assim passará a ser.
Acabei há dias de ler O Bom Inverno, de João Tordo. Trata-se, definitivamente, de algo de novo na literatura portuguesa. João Tordo tem o mérito de fazer das suas fraquezas forças. Assume-as – assume-se!, como bem se vê no recurso ao novelístico House − com folgança e às escâncaras, quase que a gozar connosco. O Bom Inverno é um livro que tem um defeito bom – ele há disso, como o cigarro que ora fumo: o livro não se lê, devora-se. É um defeito, sim, mas, no meu caso concreto, é um defeito muito meu – um defeito do leitor, que é glutão. O romance tem – confirmo! − dos melhores diálogos de sempre – de sempre!, e não exagero − da literatura portuguesa. Bosco é o nosso bicho-papão, o homem do saco, metáfora crua de algo/alguém a que cada leitor dará forma/nome. O eterno monstro debaixo da cama que atenta todas as medranças, os tempos da luz acesa no corredor. Os outros actores, e não é à toa que uso esta palavra – actores −, são memoráveis (Olivia é um quadro em branco; nem João Tordo saberá exactamente quem ela é – e escrever é mesmo isto, as palavras a atropelar o instrumentalizado autor). Estamos lá todos e, como na vida, todos temos uma parcela da culpa; até da de estarmos vivos. João Tordo entrega-nos o livro em cru e obriga-nos a recorrer aos nossos sonhos e pesadelos para o cozinhar. É um livro manifestamente incompleto, de tão cheio que vem. Nem o facto de utilizar quatro vezes uma das palavras mais detestáveis da língua portuguesa, procrastinar, me tirou do sério; mesmo na altura em que esta antecede o belo adiar tão mais português. E tão mais bonito.
Em suma, fiquei leitor, e penso que com João Tordo e valter hugo mãe estamos bem servidos, por muitos e bons anos. Não podiam ser mais diferentes, quer nos enredos, quer no domínio das palavras, quer na criação de personagens. Ambos, porém, tem algo em comum. Escrevem de forma despretensiosa, coisa que os afasta de José Luís Peixoto, um fulano que tem tudo para dar certo, mas que exibe um umbigo grande demais. E não, nisto da literatura, a humildade não é algo despiciendo.
PS - Não sou crítico literário, já tenho afazeres que bastem, sou um "mero" leitor.
Mourinho e Sócrates. Um e outro são filhos de Maquiavel. Mestres da táctica. Os passos de Passos são meras reacções determinadas pelas acções (ou omissões) de Sócrates. Cada jogada de Passos Coelho, mesmo antes de este a lançar, não passa de uma reacção, em tabuleiro de xadrez, a uma predeterminação imposta por Sócrates. O feiticeiro e o aprendiz.
A diferença entre Mourinho e Sócrates é ligeira, mas o lugar que cada um ocupa faz toda a diferença. Hoje, por exemplo, Mourinho, em vésperas de um Madrid-Barça, resolveu não falar, decidiu postar-se, de forma provocatória, ao lado do seu adjunto em quem delegou o soltar de língua. A imprensa espanhola abandonou a conferência de imprensa – tal como Mourinho anteviu −, perante a mudez de Mourinho. Este, sublinhe-se, não se reduziu a não comparecer. Esteve lá, sim, mas calado o tempo todo.
Mutatis mutandis, Sócrates joga assim todos os dias. A diferença, do tamanho dum país – país? -, é que Mourinho faz o que faz pelo clube que a cada tempo representa. Sócrates, por seu lado, aplica Maquiavel em benefício exclusivo do seu umbigo cada vez mais cheio de cotão.
Entretanto, já submissos por línguas chulipas, doridas dos pouca-terras que os atravessam, os assessores daqui e dali divertem-se a revelar emails a ordenar disciplina partidária; masturbam-se, uns e outros – uns aos outros −, a dizer, desdizer e a interpretar cagadelas de mosquito.
O FMI, de chave-mestra empunhada, pasma de como é possível ser tão estúpido. Estes gajos querem chupar 80 mil milhões a quem fez por eles, mas, em vez de estenderem a mão, jogam à sardinha. A propósito da Finlândia: no lugar deles não nos dava um tostão. Estamos na “CEE” há coisa de vinte e cinco anos. Não aprendemos a ponta de um corno; continuamos a comprar jipes disfarçados de tractores – tal como o nosso mudo PR, o tal da magistratura activa (será que a excelência ainda pertence ao mundo dos vivos?), em mau tempo nos ensinou.
Continuem, rapazes, continuem rapazes; insistam no pintelho, persistam na campanha da vírgula mal posta. Haveis de ter um lindo enterro. Rico, concedo, mas “um-lindo-enterro”.
No entretanto, eu e os meus faremos por nós; aqui ou na Finlândia, em Moçambique ou na China, não mexerei uma palha por esta coisa, farsa de país, retrato fiel de quem o comanda desde 85 (omito o século).
Portugal sou eu; sou eu e aqueles que fazem como eu, os que se enganaram, os que se deixaram enganar, os que não se enganaram, que não se deixam enganar. Os que acreditaram e os que não acreditaram. Há uma meia-dúzia de patetas, que andaram por aqui a dar litro, mas que não o farão mais.
Nas próximas eleições votarei óbvio, votarei em branco, ciente de que, lamentavelmente e por defeito do sistema, tal invisível ponto-de-ordem de pouco vale (de que nem a cartão amarelo chega), mas convicto de que qualquer xis seria uma cruz. Já a carreguei uma vez, duas vezes. Acabou.
Enquanto eu e os meus existirmos, Portugal não morre. Quanto a vocês, assessores, pios, crentes, não-crentes, ferozmente-esperançados, convencidos, desgraçados à procura de, putas e filhos da puta, governem-se (lamento haver muita gente boa no meio disto, gente que se sujeita porque que tem de fazer pela vida ou até porque ainda acredita).
Comigo não contam mais; quero o meu filho longe deste lodaçal, ainda que por cá continuemos a viver.
A frase do Otelo chocou-vos? A mim não. Vai um gajo fazer um vinte cinco de Abril para isto? Para isto? Claro que não foi ele que o fez sozinho, claro que abomino a personagem, mas claro que lhe percebo o desencanto. Além de ser claro que em boa-hora se fez a revolução e de que tristes são os tempos em que um “capitão” de Abril diz tal coisa.
Um post scriptum integrado: o que Pacheco Pereira fez ontem, ao desvelar o sms, atirando merda à ventoinha à volta da qual uns e outros agora se banqueteiam, tem um nome. pacheco-pereira, com hífen e tudo, de minúsculas obrigatórias, elevado a substantivo. Daqui a uns anos terá honras de dicionário ou de lugar-comum. O significado adivinha-se: andará por antónimo de fidelidade, sinónimo de ressabiamento. Se me chamassem agora tal coisa, a resposta seria um murro nas trombas. É que ainda não me arrancaram a espinha. Em tempo: ó Abreu, quem quer respeito tem de se dar ao respeito; agora que vais ser representante do povo tens de aprender a fazer aquilo que não sabes; evita coisas destas e dá-te ao respeito, ó representante de todos eles (amanhã, mostro isto ao meu pai e lá se vai um voto; basta explicar-lhe o que é o "colectivo abrantes" e as guerras a que tu te dás).
Fui.
Carlos Vaz Marques − Quem é hoje Ingrid Betancourt?
Ingrid Betancourt − Tengo como las ganas de contestar que Ingrid Betancourt es Ingrid Betancourt. No por prepotencia, si no que porque pienso que lo que más nos define nuestro nombre, más que decir somos esto y lo demás, el nombre nos logra ser como la síntesis de lo que somos.
PARA TODOS (PABLO NERUDA)
De pronto no puedo decirte
lo que yo te debo decir,
hombre, perdóname, sabrás
que aunque no escuches mis palabras
no me eché a llorar ni a dormir
y que contigo estoy sin verte
desde hace tiempo y hasta el fin.
Yo comprendo que muchos piensen,
y qué hace Pablo? Estoy aquí.
Si me buscas en esta calle
me encontrarás con mi violín
preparado para cantar
y para morir.
No es cuestión de dejar a nadie
ni menos a aquellos, ni a ti,
y si escuchas bien, en la lluvia,
podrás oír
que vuelvo y voy y me detengo.
Y sabes que debo partir.
Si no se saben mis palabras
no dudes que soy el que fui.
No hay silencio que no termine.
Cuando llegue el momento, espérame,
y que sepan todos que llego
a la calle, con mi violín.
- Papá, o que é morrer?
- ...
- É ir para o céu?
- [como metáfora por agora serve] Sim, filhote.
- Mas assim os passarinhos comem as pessoas.
- ...
Há pouco mais de sete meses comecei um texto destes sem saber onde iria terminar, o que iria dizer. Não que isso me importasse muito. Sabia que o escreveríamos a quatro mãos. Hoje, faço-o de novo. Lembrar-me de ti, Padrinho, é lembrar-me dos tempos que passámos juntos. E, os tempos que passámos juntos, passámo-los entre futebóis, como adversários. Avô e neto. Tu com o teu Benfica, eu com o meu Sporting. És um lampião fanático; fizeste de mim um lagarto moderado.
Senti-te morto para estes somenos sentires terrestres quando deixaste de saber como andava o teu Benfica. A seguir veio a agonia, vieram as dores. Não merecias um fim assim, merecias um fim com um golo à Eusébio. Ora vê lá se te lembras: Costa Pereira, Mário João, Ângelo Martins,Cavém, Germano, Mário Coluna, António Simões, Fernando Cruz, José Augusto, José Águas e Eusébio. Confessa que me ditavas esta linha ao ouvido enquanto eu dormia, para ver se me entranhavas a maleita, como tantas vezes ma desfiavas comigo acordado. Tiveste azar, que esta fortuna que é nascer sportinguista não tem cura. Os 5-3 ao Real Madrid, os dois golos do Eusébio, a segunda Taça dos Campeões Europeus. Tudo isso me repetiste e repetiste e repetiste, vezes sem conta, anos sem conta. Lembro-me dos nossos relatos ouvidos em silêncio no 1º andar, do hábito que tinha de vir cá abaixo, tropeçando por aquelas escadas trôpegas, cada vez que o Sporting marcava um golo. Houve um dia em que desci sete vezes. Era um Sporting-Benfica, lembras-te? Aposto que não, que te fazes esquecido. A minha madrinha, tua mulher, em cima de cujo o caixão o teu assentará, erguia as mãos aos céus e dizia-me: “Sete vezes? quem é que vai aturar aquele homem?”. No dia seguinte evitas-te olhar-me nos olhos, como se eu fosse a encarnação daquele diabo do Manuel Fernandes que havia enfiado quatro batatas ao teu glorioso.
Mas nós, este nós que hoje parece desaparecer, éramos mais que rivais de bola. Tu és o meu avô. Eu sou o teu neto. E este nós nunca desaparecerá, que a carne, mera ilusão dos sentidos, não é assim tão forte. Lembro-me agora das histórias que me contavas, de quando eras guarda-fiscal, de como correste atrás daquele contrabandista montanha acima. De como pertenceste a uma coisa pândega que o populacho chamava brigada dos isqueiros. Lembro-me das pastilhas que me levavas ao ciclo, nos intervalos das aulas. Lembro-me daquela coisa estranha que me fazias aos lábios enquanto me pedias para dizer “o Sporting não presta”. E, a esforço, que não é fácil falar com os lábios a castanholar um no outro, saia algo parecido com: (tradução) “quem não presta é o Benfica”. Hoje faço isso ao teu bisneto e ele ri-se, embora tenha tido o cuidado de o baptizar sportinguista logo ao segundo dia de vida − só espero que não me saia o tiro pela culatra.
Como à minha madrinha, também pouco te visitei. E não é por isso que vos amo menos (o pretérito aqui não tem lugar – amo-vos e sempre vos amarei). Tenho muita dificuldade em lidar com a vida que se apaga em dor. Fui ver-te ao hospital e não te pude ver. Estava lá alguém com o teu nome, sim, mas já não eras tu. Estavas em tormento, ao contrário do que hoje a tua serenidade aparenta. Não sou forte o suficiente para ver o homem mais forte do mundo reduzido àquele penar. O momento em que o clímax da natureza insiste em fazer-nos sofrer, que o coração só pára quando pára e ela − dura lex sed lex – é que determina o anti-climax dos homens. Quando o coração pára.
Esta é a realidade imposta, cruel, dolorosa e fria. Por nós, humanos, não por mais nada. Na nossa realidade – na nossa realidade, minha e tua −, muito mais forte do que este teatro de sombras, tu estás lá fora, à espera que este oficio acabe, enquanto fumas o teu cigarro. E depois acompanharás, enfadado, este féretro ao lugar onde os corpos se amontoam.
Contigo, meu amigo (e agora mudei de assunto), vai-se o meu último avô. Assim, dirão as pessoas, mal-sabedoras que mantenho os quatro com que nasci. Joaquim, assim se chama o meu primeiro, desapareceu-me da vista tinha eu oito anos. Sei pouco dele – hei-de-de fazer por saber mais −, mas sei que faz parte de mim, do meu pai e do meu filho, e isso é-me suficiente para, neste lugar de culto que não é o meu, lhe confessar o amor que lhe tenho. O amor que tenho aos meus, quase sempre mal mostrado e pouco ilustrado, é o meu deus, o meu único deus. Laurinda, nunca a tratei por tu, coisas da criação. Era a generosidade em pessoa, podia ter-lhe escrito um texto quando morreu (escrevi-lhe depois, com os sentidos em ebulição), a contar-vos isso mesmo, a contar de como me faz falta. Não calhou. Contar-vos-ia de como me ensinou − há coisas que um tipo aprende sem se aperceber – a trabalhar. Quando trabalho doze horas por dia, que é coisa que me acontece vezes demais para quem tem um filho, muito me lembro dela. Mulher-viúva, cedo teve de fazer pela vida. Hoje em dia seria um ícone para as damas que queimam soutiens a cada crónica de jornal. Lembro-me de ti, querida avó, a vender o que vendias (perdoa-me este “tu” tardio), no mercado do Fundão. Lembro-me de ti a ganhar a vida e, garanto-te, não há dia em que não ponha em prática o que de ti aprendi. À minha maneira, vou ao mercado do Fundão todos dias vender o que tenho, que no meu caso são letras e letras e letras. E vozes; vozes que por vezes resultam vãs.
Da minha querida madrinha Albertina, a quem há sete meses dediquei umas letras por estas alturas em que o coração pára de bater, pouco mais tenho a dizer do que o que disse na altura. Tenho o supremo privilégio de ter duas mães, tu és uma delas.
Dedico as últimas sentenças deste texto à minha mãe e ao meu filho. E são estas as últimas palavras deste texto que já vai longo. Tens, mãe, um neto para ajudar a criar. Para levar a passear. Para ensinar o que achares por bem dar-lhe a saber. Falo em nome dos teus pais − sinto-os connosco −, canaliza toda essa energia que dedicaste aos teus queridos pais para o teu neto. Para os demais netos que hás-de ter. A isso chama-se vida.
“É a vida”, diz-se quando alguém morre. Curiosamente, diz-se poucas vezes “é a vida” quando alguém nasce.
Padrinho, madrinha, avó, avô: tenho-vos, cada um à sua maneira, marcados a ferros na minha alma. Uns dirão que se acabou um tempo, que tenho quase quarenta anos, que é natural ter perdido todos os meus avós. A esses direi apenas: que não perdi ninguém, que sou a mistura dos quatro. Joaquim, Laurinda, Albertina, Joaquim. E que o meu filho ter-vos-á a cada um também como referência. Não perdi quatro avós, tive, tenho e terei quatro avós. Bem-haja por isso.
E agora, os cinco violinos me perdoem, termino com esta. Para ti, Padrinho Joaquim. Desencosta o pé da parede fronteira a esta Igreja e vem ver como as promessas são para cumprir. Amo-vos a todos. À minha maneira silenciosa e carrancuda, sim, que sou como o escorpião da fábula. Neste caso, e no que farei de seguida, é sempre tudo mais forte do que eu. Jamais deixaria ir o meu querido adversário de bola sem lhe dar este gozo. Que o Visconde de Alvalade me perdoe a ignomínia que, em forma de hino, se segue, mas a verdade é que trocaria o Sporting inteiro e toda a sua história por mais um ano, por mais um segundo, de vida-vivida, consciente e sem dor deste meu avô.
allowfullscreen>
Tenho escrito nada sobre ti, diz o vento que foi. Desatenta vai a aragem, que tudo o que escrevo é por ti, está em ti, vem de ti. Sem ti, palavra nenhuma sairia de mim. Estás em todas as cores que formam as letras que alinho; danças em cada vírgula, apontas-me cada ponto final. Conjugas-me em cada verbo. És o meu Verbo!, a minha palavra. Não será longo este paradoxo de letras que aqui alinho enquanto a natureza dorme. O que me és... A incapacidade de descrever, de escrever; de te descrever e de sobre ti escrever. És o ar que respiro, o passo que dou, a decisão que tomo. O filho que temos. E o oposto também. O teu branco dá-me a imaginar o negro do caminho contrário. A impossibilidade de respirar, de andar, de ir por aqui ou por ali. O não existir do Francisco. O nosso filho. Sobre isso não posso - não sei! - escrever. Ninguém pode. Há quem finja escrever sobre o amor. Eu, como sabes, não sou um fingidor. És as minhas asas. Há dez anos no relógio dos homens. Desde sempre, no perpétuo. No eterno do que é. Do que me és. O nosso sempre.
parte I
parte II
Diseur: Mário Viegas
Basta pum basta!!!
Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi. É um coio d'indigentes, d'indignos e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero!
Abaixo a geração!
Morra o Dantas, morra! Pim!
Uma geração com um Dantas a cavalo é um burro impotente!
Uma geração com um Dantas ao leme é uma canoa em seco!
O Dantas é um cigano!
O Dantas é meio cigano!
O Dantas saberá gramática, saberá sintaxe, saberá medicina, saberá fazer ceias pra cardeais, saberá tudo menos escrever que é a única coisa que ele faz!
O Dantas pesca tanto de poesia que até faz sonetos com ligas de duquesas!
O Dantas é um habilidoso!
O Dantas veste-se mal!
O Dantas usa ceroulas de malha!
O Dantas especula e inocula os concubinos!
O Dantas é Dantas!
O Dantas é Júlio!
Morra o Dantas, morra! Pim!
O Dantas fez uma soror Mariana que tanto o podia ser como a soror Inês ou a Inês de Castro, ou a Leonor Teles, ou o Mestre d'Avis, ou a Dona Constança, ou a Nau Catrineta, ou a Maria Rapaz!
E o Dantas teve claque! E o Dantas teve palmas! E o Dantas agradeceu!
O Dantas é um ciganão!
Não é preciso ir pró Rossio pra se ser pantomineiro, basta ser-se pantomineiro!
Não é preciso disfarçar-se pra se ser salteador, basta escrever como o Dantas! Basta não ter escrúpulos nem morais, nem artísticos, nem humanos! Basta andar com as modas, com as políticas e com as opiniões! Basta usar o tal sorrisinho, basta ser muito delicado, e usar coco e olhos meigos! Basta ser Judas! Basta ser Dantas!
Morra o Dantas, morra! Pim!
O Dantas nasceu para provar que nem todos os que escrevem sabem escrever!
O Dantas é um autómato que deita pra fora o que a gente já sabe o que vai sair... Mas é preciso deitar dinheiro!
O Dantas é um soneto dele-próprio!
O Dantas em génio nem chega a pólvora seca e em talento é pim-pam-pum.
O Dantas nu é horroroso!
O Dantas cheira mal da boca!
Morra o Dantas, morra! Pim!
O Dantas é o escárnio da consciência!
Se o Dantas é português eu quero ser espanhol!
O Dantas é a vergonha da intelectualidade portuguesa!
O Dantas é a meta da decadência mental!
E ainda há quem não core quando diz admirar o Dantas!
E ainda há quem lhe estenda a mão!
E quem lhe lave a roupa!
E quem tenha dó do Dantas!
E ainda há quem duvide que o Dantas não vale nada, e que não sabe nada, e que nem é inteligente, nem decente, nem zero!
Vocês não sabem quem é a soror Mariana do Dantas? Eu vou-lhes contar:
A princípio, por cartazes, entrevistas e outras preparações com as quais nada temos que ver, pensei tratar-se de soror Mariana Alcoforado a pseudo autora daquelas cartas francesas que dois ilustres senhores desta terra não descansaram enquanto não estragaram pra português, quando subiu o pano também não fui capaz de distinguir porque era noite muito escura e só depois de meio acto é que descobri que era de madrugada porque o bispo de Beja disse que tinha estado à espera do nascer do Sol!
A Mariana vem descendo uma escada estreitíssima mas não vem só, traz também o Chamilly que eu não cheguei a ver, ouvindo apenas uma voz muito conhecida aqui na Brasileira do Chiado. Pouco depois o bispo de Beja é que me disse que ele trazia calções vermelhos.
A Mariana e o Chamilly estão sozinhos em cena, e às escuras, dando a entender perfeitamente que fizeram indecências no quarto. Depois o Chamilly, completamente satisfeito, despede-se e salta pela janela com grande mágoa da freira lacrimosa. E ainda hoje os turistas têm ocasião de observar as grades arrombadas da janela do quinto andar do Convento da Conceição de Beja na Rua do Touro, por onde se diz que fugiu o célebre capitão de cavalos em Paris e dentista em Lisboa.
A Mariana que é histérica começa a chorar desatinadamente nos braços da sua confidente e excelente pau de cabeleira soror Inês.
Vêm descendo pla dita estreitíssima escada, várias Marianas, todas iguais e de candeias acesas, menos uma que usa óculos e bengala e ainda toda curvada prá frente o que quer dizer que é abadessa.
E seria até uma excelente personificação das bruxas de Goya se quando falasse não tivesse aquela voz tão fresca e maviosa da Tia Felicidade da vizinha do lado. E reparando nos dois vultos interroga espaçadamente com cadência, austeridade e imensa falta de corda... Quem está aí?... E de candeias apagadas?
- Foi o vento, dizem as pobres inocentes varadas de terror... E a abadessa que só é velha nos óculos, na bengala e em andar curvada prá frente manda tocar a sineta que é um dó d'alma o ouvi-la assim tão debilitada. Vão todas pró coro, mas eis que, de repente, batem no portão sem se anunciar nem limpar-se da poeira, sobe a escada e entra plo salão um bispo de Beja que quando era novo fez brejeirices com a menina do chocolate.
Agora completamente emendado revela à abadessa que sabe por cartas que há homens que vão às mulheres do convento e que ainda há pouco vira um de cavalos a saltar pla janela. A abadessa diz que efectivamente já há tempos que vinha dando pela falta de galinhas e tão inocentinha, coitada, que naqueles oitenta anos ainda não teve tempo pra descobrir a razão da humanidade estar dividida em homens e mulheres. Depois de sérios embaraços do bispo é que ela deu com o atrevimento e mandou chamar as duas freiras de há pouco com as candeias apagadas. Nesta altura esta peça policial toma uma pedaço d'interesse porque o bispo ora parece um polícia de investigação disfarçado em bispo, ora um bispo com a falta de delicadeza de um polícia d'investigação, e tão perspicaz que descobre em menos de meio minuto o que o público já está farto de saber - que a Mariana dormiu com o Noel. O pior é que a Mariana foi à serra com as indiscrições do bispo e desata a berrar, a berrar como quem se estava marimbando pra tudo aquilo. Esteve mesmo muito perto de se estrear com um par de murros na coroa do bispo no que se mostrou de um atrevimento, de uma insolência e de uma decisão refilona que excedeu todas as expectativas.
Ouve-se uma corneta tocar uma marcha de clarins e Mariana sentindo nas patas dos cavalos toda a alma do seu preferido foi qual pardalito engaiolado a correr até às grades da janela gritar desalmadamente plo seu Noel. Grita, assobia e rodopia e pia e rasga-se e magoa-se e cai de costas com um acidente, do que já previamente tinha avisado o público e o pano cai e o espectador também cai da paciência abaixo e desata numa destas pateadas tão enormes e tão monumentais que todos os jornais de Lisboa no dia seguinte foram unânimes naquele êxito teatral do Dantas.
A única consolação que os espectadores decentes tiveram foi a certeza de que aquilo não era a soror Mariana Alcoforado mas sim uma merdariana-aldantascufurado que tinha cheliques e exageros sexuais.
Continue o senhor Dantas a escrever assim que há-de ganhar muito com o Alcufurado e há-de ver que ainda apanha uma estátua de prata por um ourives do Porto, e uma exposição das maquetes pró seu monumento erecto por subscrição nacional do "Século" a favor dos feridos da guerra, e a Praça de Camões mudada em Praça Dr. Júlio Dantas, e com festas da cidade plos aniversários, e sabonetes em conta "Júlio Dantas" e pasta Dantas prós dentes, e graxa Dantas prás botas e Niveína Dantas, e comprimidos Dantas, e autoclismos Dantas e Dantas, Dantas, Dantas, Dantas... E limonadas Dantas- Magnésia.
E fique sabendo o Dantas que se um dia houver justiça em Portugal todo o mundo saberá que o autor de Os Lusíadas é o Dantas que num rasgo memorável de modéstia só consentiu a glória do seu pseudónimo Camões.
E fique sabendo o Dantas que se todos fossem como eu, haveria tais munições de manguitos que levariam dois séculos a gastar.
Mas julgais que nisto se resume literatura portuguesa? Não Mil vezes não!
Temos, além disto o Chianca que já fez rimas prá Aljubarrota que deixou de ser a derrota dos Castelhanos pra ser a derrota do Chianca.
E as pinoquices de Vasco Mendonça Alves passadas no tempo da avózinha! E as infelicidades de Ramada Curto! E o talento insólito de Urbano Rodrigues! E as gaitadas do Brun! E as traduções só pra homem do ilustríssimos excelentíssimo senhor Mello Barreto! E o frei Matta Nunes Moxo! E a Inês Sifilítica do Faustino! E as imbecelidades do Sousa Costa! E mais pedantices do Dantas! E Alberto Sousa, o Dantas do desenho! E os jornalistas do Século e da Capital e do Notícias e do Paiz e do Dia e da Nação e da República e da Lucta e de todos, todos os jornais! E os actores de todos os teatros! E todos os pintores das Belas-Artes e todos os artistas de Portugal que eu não gosto. E os da Águia do Porto e os palermas de Coimbra! E a estupidez do Oldemiro César e o Dr. José de Figueiredo Amante do Museu e ah oh os Sousa Pinto hu hi e os burros de cacilhas e os menos do Alfredo Guisado! E (o) raquítico Albino Forjaz de Sampaio, crítico da Lucta a quem Fialho com imensa piada intrujou de que tinha talento! E todos os que são políticos e artistas! E as exposições anuais das Belas-Arte(s)! E todas as maquetas do Marquês de Pombal! E as de Camões em Paris; e os Vaz, os Estrela, os Lacerda, os Lucena, os Rosa, os Costa, os Almeida, os Camacho, os Cunha, os Carneiro, os Barros, os Silva, os Gomes, os velhos, os idiotas, os arranjistas, os impotentes, os celerados, os vendidos, os imbecis, os párias, os ascetas, os Lopes, os Peixotos, os Motta, os Godinho, os Teixeira, os Câmara, os diabo que os leve, os Constantino, os Tertuliano, os Grave, os Mântua, os Bahia, os Mendonça, os Brazão, os Matos, os Alves, os Albuquerques, os Sousas e todos os Dantas que houver por aí!!!!!!!!!
E as convicções urgentes do homem Cristo Pai e as convicções catitas do homem Cristo Filho!...
E os concertos do Blanch! E as estátuas ao leme, ao Eça e ao despertar e a tudo! E tudo o que seja arte em Portugal! E tudo! Tudo por causa do Dantas!
Morra o Dantas, morra! Pim!
Portugal que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mas atrasado da Europa e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degredados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
Morra o Dantas, morra! Pim!
José de Almada Negreiros
Poeta d'Orpheu
Futurista e Tudo
1915
Doravante, andarei também por aqui, em parceria com o Joshua. Cadáveres esquisitos, um blogue que não é um blogue; uma história a duas mãos; um conto pari passu, trocando o passo; a história de João.
Faz hoje 30 anos que Sá Carneiro foi assassinado. Faz hoje 30 anos que toda a gente sabe que Sá Carneiro foi assassinado. Faz hoje 30 anos que alguns saberão quem assassinou Sá Carneiro. Completam-se hoje 30 anos de silêncio. De compadrio e de calares. De Portugal no seu pior (no seu habitual). As comissões de inquérito e as respectivas conclusões dissonantes são a imagem cuspida do país que temos (num país a sério, de gente séria, bastaria uma). Bem sei que não vale a pena conjecturar sobre o que seria Portugal com Sá Carneiro, mas não deixa de ser interessante imaginar o que seria o país sem os atalhos da vida que se lhe seguiram. Os PM que se sucederam não teriam acontecido com Sá Carneiro vivo. Com os dois mandatos certos como PR, não deixa de ser curioso imaginar quem não teria sido o que acabou por ser. E quando. O exercício contrário (de quem não foi) é também assaz curioso. Nenhum desses eleitos (e desses não-eleitos e não-concorrentes) fez mais que percorrer o seu próprio caminho, sem responsabilidades no descaminho histórico original. Portugal estaria mal como está? Talvez, embora eu não esteja nada convencido disso. É certo que a verdade alternativa é sempre mais abastada do que a realidade. Mais fácil. Nada disso interessa, agora. O que releva é que Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Snu Abecassis, Manuela Amaro da Costa, António Patrício Gouveia, Jorge Albuquerque e Alfredo de Sousa foram assassinados há 30 anos. 30 anos de um barulho excessivamente silencioso e ensurdecedor, de tão mudo que é. A (não) investigação do assassínio de Sá Carneiro é como que a autópsia deste país que apodrece. E que nos apodrece.
Neste dia especial vou dizer(-te) de ti.
Do quão diferente seria o mundo – e não só o meu – sem a tua caldeação sanguínea, o teu rigor irracional (da razão como em a cruz do homem), sem o teu sentido de justiça, a tua fúria de viver com e para os outros. Seria um mundo menos mundo, um mundo com pouca pegada – menos mundo, mais imundo.
Mas há uma parte de ti que me assusta de morte – vou falar um pouco desse fajuto acabamento, neste dia em que se celebra a vida. É que, como toda a gente sabe, à primeira luz dão-nos carga para cem anos. Pelos usos e abusos, poucos a aproveitam até ao fim – mesmo porque nem tal é saudável. É como que um jogo movido a pilhas. Se jogares muito, a carga dura menos; se jogares pouco ou nada, a carga dura os tais cem anos (e a vida tem piada nenhuma, porque não serves o propósito – algo como comprar pilhas e emoldurá-las). Heróis há, como o Adriano – acho que já te falei dele –, que engendraram modo de enganar o deus das pilhas. Recarregam-se, os gajos; vão a cem para além dos cem. Eu, tu, ele, nós, vós, eles – a malta, sabes?! – não aprenderam o truque. Nascemos sem tal dom. E gastam-se. A bateria vai diminuindo mais depressa do que os anos para que vinha carregada. Alguns, a cem, chegam a morrer pela idade do cristo. Têm essa insalubre moda-mania, desinteirados de que a cem – sem o tal truque dos predestinados – não se chega aos cem.
Lembras-te do Auden? Agora imagina o mundo todo – todo o mundo – sem o ladrar dos cães, sem o som do piano, sem norte, sem sul (ou com ambos avessados). Imagina o mundo, minha gaja, sem a linha do horizonte até onde nadas e nos levas contigo. Imagina um mar vertical que chove trovões no focinho do mundo que sobeja. Um i-mundo. Imagina um mundo onde todos temos cem amigos íntimos e os amamos a todos muito muito muito. E se fazem muitas festas e “recepções”. Um mundo de gravata cinzenta onde os autocarros só fazem a carreira um. Porque vão todos ao mesmo, fazer a mesma coisa, à mesma hora. Imagina um mundo insubstancial, cheio de sombras de vidas informes. Um mundo onde não se fode, um mundo de genéricos-humanos, onde a luz do sol não se distingue do brilho da luz que nos faz uivar à lua.
Imagina, querida, um mundo faz-de-conta. Cheio de tachas arreganhadas, sorrisos resplandecentes. E aquela gravata cinzenta sempre lá. A enfeitar a máscara do viver.
Falei da morte. Nada a ver connosco. Nada a ver contigo. Falo da vida agora, do primeiro dia do resto nas nossas vidas. És a prova de que Machado de Assis se enganou ao escrever: “Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes."
Nenhuma das tuas novas edições é uma errata da anterior – é antes uma nova edição aumentada e afortunadamente não-revista, editada por ti para nós. E a última, a dos cem anos, não vai aos vermes. Vai antes resfolgar no panteão orgásmico e gritante dos que da lei da morte se libertam, dos que dão e deixam de mamar ao mundo (leite, sémen, sangue, seiva, suor, saliva, lágrimas, ranho) e o mantêm digno. Daqui a cem anos, não precisarás de te armar de mitológico olho-palado e de braço solitário para, por entre as ondas, salvar a tua memória. Seria algo tão inverosímil como eu não amar o meu filho ou a minha mulher. És como um acidente nuclear em bom; deixas, por centos de anos, rasto – pegada! – de vida nas vidas por onde passas, por onde explodes, por onde erras e acertas. Como que um fiel da balança universal. Assim és, como o parafuso essencial ao rio que corre.
Daqui a cem anos. Aqui!
PS - Afinal, sempre consegui escrever sobre ti.
Lembro-me de ti todos os dias. Hoje calhou lembrar-me da resposta que me davas quando te perguntava o que havia para comer. Línguas de perguntador, respondias. E eram sempre boas, as línguas, viesse carne ou peixe. Hoje comemos castanhas assadas e lembrei-me do teu caldudo (que não levava nem leite nem acuçar). Tenho tantas saudades, meu amor. Na minha memória nunca estarás como na imagem que propositadamente esbati (à medida do que acharias razoável) para dar ao mundo. Quero mostrar-te e continuar a mostrar-te, pese embora haja para aí uns idiotas que acham que devo dar-te ao mundo pela bitola deles, o que equivaleria a não te mostrar (não ponho link em "idiotas" porque há pelo menos uma pessoa com quem estaria a ser injusto. Ela, que tem as mãos do teu bisneto, sabe quem é. Os restantes, como dirias, são uns reiródes. Por acção, e neste particular lembro-me dum certo inerte, atrelado de uma rapariguitazita, que me tentou explicar que não se sofre em público, ou por omissão - nestes incluem-se os charepos, gentes que querem estar bem com deus e com o diabo, e os seres que se estão a cagar ou que se acoitam no direito ao silêncio). Ensinaste-me o mau-feitio, que veio brindado com o não calar, com o não perdoar o que não tem perdão (que quem rasteira uma vez mantém a perna alçada). Bembondam os tempos da outra senhora.
Estiveste rabugento hoje. O olho tapado não ajuda, as noites mal-dormidas espoletam o mau-humor. Deste aniversário não terás muitas recordações em forma de foto. A luz do flash incomoda-te. Ainda assim, riste-te quando brinquei contigo e imitei o teu olho tapado. És um puto porreiro, com sentido de humor. Entraste-nos na vida como quem entra numa paródia. E és agora o palhaço-mor. Poucos dias antes de te magoares, levei-te ao colégio. A professora estava à porta da sala, a recomendar aos pais uns livros que diziam "3 e 4 anos" na capa. Asseveraram-nos que a parte dos números seria lá mais para o fim do ano, que "eles ainda são muito pequeninos". Ainda ensaiei um "mas ele já ...". Ia dizer das letras e dos números, que conheces há bem mais de um ano, ia dizer que começas a querer juntar letras sem que te incentivemos para isso, mas percebi que, naquele espaço, isso era segredo teu. Olhei para ti, que tinhas vindo a contar os carros que passaram por nós até chegar à escolinha. 1-2-3-4...17. Resolvi calar-me. Deste-me dez beijinhos de saudade e foste brincar com os teus amigos, ansioso por colocar o teu nome na cara vermelha de boca triste, espécie de castigo para os meninos que se portam mal. Estás crescer demasiado depressa, percebes o que te devia ser secreto. No entanto, e por isso não me preocupo, preenches os espaços diferentes sendo diferente em cada um deles, espécie de bom-camaleão em forma de metro de gente. O que num adulto poderia ser doblez, na criança que és (e serás por muitos mais anos) é saber-estar. Parabéns, meu amor. Pelo teu terceiro aniversário e por seres como és.
Não tenho uma linha para dizer. Trinta e oito anos de palavras aprendidas e ensinadas e não tenho uma linha para dizer. A linha que não tenho para dizer não tem olhos, nem ouvidos. Não cheira. Não tem língua. A do estertor da morte e a do sexo gritado. Não tem. Tenho dois moinhos, como os que estão de costas para o Tejo. Presos ao chão por âncoras de sentires. A enfrentar a cidade. Amanhã volto à Estrela e levo os moinhos comigo, lamento-vos (por vós). Rodarão entre neves, os moinhos que vos arranco. Um menino e uma menina. Têm sexo, os moinhos que nos seguem para a vida. Hoje vou de jam session à desgarrada. De cá, teclo branco em preto; imagino de lá a mão na cinta. Mas hoje mando eu.
(não são agora os moinhos de que falei) Eram pequenos, o bernardo e o artur. Vamos regressar dez anos ao futuro e vê-los morrer, em mantas carpideiras. Como quem vê um filme e o botão ffwd se prende. Toma-os no colo e vê como são queridos. Cachorros. Agora vê-os morrer, grisalhos de dor. Velhos que têm de morrer, diz a voz dos homens. Flauta que a ciência da morte usurpa e sopra.
Dina? abre a porta! Desceste, subiste-nos, e mostraste-me o tempo. O cabrão que não pára quieto. O estupor. Chegamos tarde e não nos desculpa. Da altura do fole inglês que tem enfiado no cu (com dever à severidade do chá às cinco). Envelheceu-me os arrabaldes da vida e quer matar-me os cães. Por mais que eu lhe explique que têm só dois anos. O deus dos relógios não se convence. Diz que mais mal é o meu, que perdi dez anos ou o raio que o parta. Não insisto. Parece que é severo, o tique-taque do relógio. Está na lei. Que é proibido contestá-lo. Não sustento, mas resisto na memória. Faço de conta que me agacho, mas, pelas costas, passo o tempo ao meu querer. São cachorros!, vai-te foder ó natureza.
Volto aos moinhos, que têm nomes que aqui não digo. São cada vez mais parte de mim. Perguntam-me há quanto os conheço. Digo que há cem anos de tempo dos homens. Desconsideram a resposta, como que vinda de um alucinado. Eu desadoro-a por outra razão, que cem anos são a plástica dos milénios que na realidade foram.
Como disse acima, não tenho uma linha para dizer. E uma linha não disse, que sou homem de palavra.
Não dorme. De início porque não conseguia, depois porque deixou de querer. Vinte-e-quatro sobre vinte-e-quatro. Madrugador, é olhado com consolo e gozo pelos noctívagos que vão à cama; noctívago, é visto com desprezo pelos madrugadores. Está sempre lá, no carril que vem e no carril que vai. À beira dos quiosques, recebe os jornais e espera pelo dono. Desatacado o primeiro, compra-o – ao matutino a quem já sabe as notícias, ou não tivesse sido ele a inventá-las. De camisa engomada, bebe a bica da manhã; de camisa esgaravatada, bebe a bica dos que se querem manter acordados, sob o trovejar dos sons servidos em bandejas de prata untadas com linhas de pó-de-talco.
É o Dr. Joaquim e o quim. Faz amor e fode, que vinte e quatro horas dão para tudo. Tirou dez cursos e foi expulso de dez universidades. Doutorou-se éne vezes com louvor e foi afastado xis vezes com distinção. Janta ao almoço, come sopas-de-cavalo-cansado ao deitar. Já se divorciou seis vezes; casou-se vez nenhuma. Nasceu filhos e também os enterrou, que com a insónia veio-lhe a imortalidade. Plantou árvores e mil anos depois aqueceu-se à fogueira delas. Ri!, sabendo que no relógio seguinte vai chorar. Matou um homem uma vez, tentou matar-se várias vezes. Foi condenado pelo primeiro crime, confessou os outros sem lograr a adjudicação da pena. O tempo, esse, passa-lhe tão depressa que não pode distinguir as estações. Vai ao mar no inverno, faz pegadas na neve do verão. E as estações, educadas pela natureza que as vai parindo, adequam-se aos horários do quim|Dr.Joaquim.
Um dia “acordou” – viu-se! – morto. Não acreditou e apanhou a carreira do costume. A morte insistiu e ele matou-a. O mundo desequilibrou-se e morreu de tanta vida, que é o que acontece aos mundos a quem morre a morte. O sol apagou-se, e a lua com ele. Os mares fizeram baixas as altas montanhas.
O quim|Dr.Joaquim cagou de alto para tais maniqueísmos. Pôs-se a ver filmes; mil anos e tal deles. Fez chichi, pôs gravata e foi trabalhar. Numa repartição de finanças.
(dedicado ao Marco, meu leitor destas horas)
Os anos de desilusões que me enchem o curriculum garantem-me o que se segue.
Minto!, que escrevi ao sol enganador da cadência do imediatismo redutor do pensar-respirar (e só não apago esta coisa pateta que acabei de garatujar porque uma coisa leva à outra e tudo ajuda ao círculo que se completa). [Agora com a emenda da alma]. Não é o meu passado de trinta e muitos anos que me assevera o que sinto. É o Zé e o fogo e a roda. Vi-o duas vezes, ao Zé. De ambas já o sabia doutras vidas. Andámos de caleche juntos, combatemos os romanos, escolhemos cavernas para pernoitar. Inventámos a roda. Olhámos com medo e admiração e surpresa aquela coisa a que hoje chamam fogo. O Ega da Isabel é também o meu. Quando o vi pela primeira vez, já o tinha visto vezes tantas. O primeiro encontro não foi um cumprimento entre desconhecidos, foi um “por onde raio tens andado, pá?, porque porra me obrigas à saudade antes de o rei a ter mandado inventar?”
Há mil anos que não o via. Mil anos foi a semana passada, concedo, mas isso é fraca desculpa. O meu filho e a minha mulher queixam-se do mesmo. Tens de ter mais atenção ao relógio.
Quando o big bang se desempatou, já o Zé tinha sido decidido. Espécie de ponto prévio da ordem de trabalhos universal. Antes da lua e do sol, e para que a coisa fizesse sentido, urgia haver o Zé - e terá havido alguns (poucos demais ou o mundo teria mais mar). Faltas-nos a todos, espécie de vampiro ao contrário, que dá em vez de tirar.
Tudo isto, Zé, para te dizer que nos deixaste aos três mais ricos, estes três que somos só um (a ditadura das contas não me ensinou a dizer de forma mais verdadeira).
Termino com saudades e com a certeza que não nos obrigarás a mais mil anos de rodas que não rodam.
Este post é dedicado ao Francisco e à Nina e à Joana e aos outros nossos sangues, à Isabel, ao João Paulo e à Esmeralda, ao Davide e à Alice, ao Vladimir, ao Carlos e ao João Bernardo.
E ao Zé.
Todos os dias se esquece. As emoções misturam-se e atropelam-se, como num sonho mal dormido em que a vida passa asinha e aselha. Como quando se morre. Entre o ir e o vir, António mistura-se entre o que o espelho lhe mostra – lhe exige – e o sonho sonhado da realidade dos passos que admite não poder dar. No meio dos formigueiros – o da dormência e o da passagem –, confundem-se vidas e pessoas. As de cá moldam-lhe o curriculum à porrada. As de lá garantem-lhe o ser que acorda o acordar amarelo. António, espécie de homem duplicado – não como Saramago o inventou, mas como um dois-em-um que nem lava nem amacia. Entre vidas, sobrevive indeciso. Não se escolhe, encolhe-se e deixa-se ajustar pelo grão moído que o há-de trazer à realidade que lhe exigem. Como quem faz por respirar debaixo de água. A vida entre os vivos sustenta-lhe o vício do silêncio de não se saber erguer. E vive para sonhar e sonha para viver, perdido no turbilhão de quem não é. António faz registos. De mortes e vidas. E assim vive ainda uma terceira vida, a dos outros. Nasceste-me, juntei-te, apartei-te, morreste-me. Outras vidas me deste, que se hão-de juntar e separar e juntar de novo. E no fim hão-de morrer e exigir-me a mim que o certifique aos homens a quem só vejo a barbela.
Mais um café. António mede a vida por cafés. São como que um dia que se põe e um dia que se tira. O zero absoluto, reunidos naquele placebo com cara de água castanha e quente. E vai seguindo, como quem se apressa e se desvia. Para deixar passar quem vem atrás. De vela na mão a vida toda, como que numa procissão eterna. Já há muito lhe retirou o resguardo, à vela. A cera quente nas mãos é a única coisa que o segura deste lado – o cilício faz-lhe sangue e ele não gosta da cor vermelha, por isso o guarda na gaveta. E, altivo (podias ter-te agarrado aí, António), também não morre por não querer entregar o carimbo do extremo direito da sua existência aos estranhos com quem partilha as nove às cinco.
Já pensou em ter mulher, arranjar filhos, perdoar gentes, desculpar-se. Fazer um reset vital. É um palhaço, o António, e esta vida que os livros-de-bem-viver recomendam seria o nariz vermelho que lhe falta. Preso por elásticos na ponta da penca. Como se o tivesse comprado na loja dos trezentos. Uma vida arranjada nos chineses, entre lâmpadas que deitam o quadro abaixo.
António-pistola-de-água vai morrer hoje. Jurou-se. Não chegará a sofrer o café de amanhã. Atropelado pela caleche do Ega e do Carlos, António vai acordar sereno. Como um desabafo. O registo da morte ninguém o fará, coisa de colegas zangados com as horas extraordinárias não remuneradas a que serão obrigados (António carimbava muito). Agora, António, o morto, viverá para sempre. Não porque por actos valorosos do esquecimento se tenha livrado, mas por despeito.
Embora mantenha por aqui o meu arquivo de algumas coisas, doravante podem também encontrar-me nesta pegada, espaço que partilho com a Isabel Moreira.
Não me morreste!, não morreste a nenhum destes que aqui estão. Vim a toque de caixa – como dirias – ver se estavas em paz. Bem sei o pouco de gostavas de mariquices, como dizias. Detestavas carpideiras e afins. Se fosses tu a mandar, teria gozado as minhas férias até ao fim. Não vim chorar-te, descansa. Vim beijar-te e ver se estava tudo à tua medida. E ainda bem que vim. Estavas com as mãos como os cangalheiros as põem, enrodilhadas num terço. Cheguei tarde – estava longe – e estavam já cimentadas uma à outra, as tuas mãos. Desprendi-tas para que me desses uma. Ajoelhei-me, que o caixão estava baixo. Chorei lágrimas que não sabia que tinha. Fiquei ali algum tempo, a relembrar o que foste, o que me foste. Não rezei. Porque não sei e porque não acredito que estejas num sítio melhor (aqui chamar-me-ias herege). Acredito apenas no que vejo, na tua face serena e sem dor, o oposto do que a morte te obrigou a mostrar nestes últimos dez anos. Estavas hoje como que a dormir, como dormias antes daquela argola maldita em que tropeçaste se ter empecilhado no teu caminho.
A tua filha, a minha mãe, perguntou-me se eu queria uma cadeira. Disse-lhe que não, à tua filha, minha mãe, que hoje se portou como tu te portarias, como uma mulher de ferro. A minha mãe. Levei-te um livro, em homenagem aos muitos que me compraste. Entreguei-te aquele de significado especial, o que marca a minha união com a mulher que nunca conheceste (já não estás cá há muito). Escrevi-te lá umas frases que nunca vais ler. Foram para mim, o egoísta. O mesmo que te enfiou o livro no caixão. E lá ficaste tu, uma mão agarrada ao terço, a outra ao livro que te dei. Ainda assim, e também por isso o fiz, sei que preferirias ser eu a arranjar-te, em vez de um qualquer desconhecido. E só eu, com a sem-cerimónia que te aprendi, o poderia fazer.
Quero dizer-te que fazes parte de mim, que sou à tua imagem. Para o bem e para o mal, e aqui entre nós que raio de feitio me pegaste, só estou aqui hoje, a escrever estas linhas, porque me criaste de forma a não fazer aquilo a que sociedade – esse ajuntamento de homens e mulheres – nos manda. Não sei se era isso que me querias ensinar, mas foi isso que aprendi.
Pouco te visitei nestes dez anos em que me foste morrendo. Fi-lo pelas razões que saberias explicar melhor que eu. Detestarias que te visse assim. Que eu te visse assim. Frágil, dependente, o oposto da mulher que sempre foste. Ainda assim, soltaste o teu sorriso algumas vezes (o teu sorriso bonito – antes do teu bisneto nascer era o mais lindo do mundo). Quando te pus o nosso Francisco de sete dias nas mãos, sorriste-lhe e sorriste-me. Quando te ergui daquele sofá malvado para apanhares sol, sorriste-me. Das vezes em que não me reconheceste, fui-me embora em teu respeito. Por respeito a ti. E quando voltava, contra a vontade que terias e já não tinhas, fazia-o para ver se te apanhava como eras. Não te queria trair, vendo-te como já não eras e como não quererias que te visse. Fi-lo algumas vezes, desculpa, mas a esperança de te ver sorrir era mais forte do que eu.
Hoje, que dizem me que me morreste, no dia em que a carne fenece, depois de te beijar a testa e de te pegar na mão e de chorar como o teu menino chorava, fui percorrer os nossos caminhos. Fui sentir os nossos espaços. Os armários da nossa casa tinham minguado. Estavam pequeninos. Lá continuava aquela lata do pão, azul de tampa branca, donde tiraste o pão para as milhões de sandes que me fizeste. Procurei as facas com que os cortavas – aos pães – e lhes barravas a manteiga. Lá estavam elas, as mesmas. Mexi nos teus pratos, nas tuas louças, subi ao quarto onde já há dez anos não dormias. Estavas em todo o lado.
Fui ao lameiro colher-te uma rosa e coloquei-ta entre os dedos da mão em que permiti o terço.
Estás em todo o lado, meu amor, estás na minha vida todos os dias. Estás aqui a escrever estas linhas, ainda que não pudesses compreender metade delas. Vou ensinar a quem de mim vier o que me foste, também para isso escrevo estas palavras. Vou lê-las na igreja e vou fazer por ouvir a tua tosse cava lá ao fundo. Na mesma igreja para onde me arrastavas. A tosse que era parte do teu ser. Nem imaginas as saudades que tenho te ouvir tossir.
Agora, meu amor – e deixa-me, por uma vez, chamar-te meu amor –, descansa em paz. Ficamos cá para te honrar, para honrar a tua memória e os teus quereres e saberes. A tua menina, minha mãe, que foi tua mãe por dez anos, está em paz. Ela e o teu filho vão cuidar do meu avô, do teu homem. O meu pai, teu genro, está sempre presente, como sempre esteve e está para o que der e vier. A tua neta, minha irmã, vai portar-se à tua altura. Está uma mulher e tem este irmão para lhe fazer o teu pão com manteiga.
Não prometo não chorar mais, dou hoje comigo de lágrima fácil, mas prometo ensinar-te ao Francisco. Ao contrário do que dizem os sinos que dobram lá fora, não nos morreste. Não és mulher de morrer. Daqui para fora, cada uma das mãos que há-de levar o teu caixão é também a tua, porque sem ti nenhum de nós estaria aqui. Nem nenhum de nós faria como é.
Uma última coisa te digo, para além das muitas que hei-de continuar a dizer de ti. Antes de te ler estas palavras que escrevemos a meias, vou mostrá-las ao meu mundo, para que todos saibam que hoje não morreu uma mulher qualquer. De resto, não nos morreste, apenas nos saíste da vista, o mais aldrabão dos sentidos.
Este mundo que me atenta e que faço por não perceber é feito de filhos-da-mãe e filhos-da-puta. O que os distingue é o grau de imputabilidade: os filhos-da-mãe são inimputáveis, já os filhos-da-puta, por mais razão que tenham, ai dos peidos que dão. Como é consabido (os comentários dos meus recentes fãs-cogumelos assim mo garantem), vivo nas berças e, por consequência, tenho um rebanho que pastoreio diariamente – assim faz toda a gente que não vive em Lisboa, anda atrás de ovelhas, cabras e bichos-da-seda, ajudado pelo cão do folclore ordinário. Temos uma A23 ou uma A25, uma A-qualquer, enfim, com que as vacas gordas nos presentearam, após arrasarem as servidões que nos permitiam sair da pasmaceira e ir ver as ondas pela primeira vez – oh céus!, que esta água é salgada. Pediram palmas, sentem-se mesmo no direito de as exigir, os tios de natal das meias brancas com raquetes. E lisboa, feita Portugal, grita: paguem cães!, quando vierem à civilização comprar caramelos, suem euros – ou a moeda que vigorar – pelo caminhos. Ou voltem aos atalhos de cabras das putas que vos foram parindo (e a nós – a eles – incomodando).
(pausa)
Dos filhos-da-mãe. Distingue-os o artigo do Código Penal que diz: “os filhos-da-mãe, ainda que se portem como filhos-da-puta, não serão esquecidos”. Este é o número um, de cominação à laia de ameaça de ajuste de contas. A estatuição real chega logo a seguir. Número Dois: “quem não for filho-da-mãe é filho-da-puta”. E aqui entramos na cena do consuetudinário alfacinha, que toda a gente sabe que o nascido além-sete-colinas tem grande probabilidade de ter mãe meretriz.
(pausa)
Como indicia suavemente o título deste post, este dito devia versar sobre a falta de espinha (coluna vertebral). Devia falar de gente que manda recados, que não tem ervilhas (não se exige mais) para dizer “raio que te parta!, baza!” ao que lhes tropeça as bandejas riscadas de quem os serve. Prometi-me falar da multidão com compromissos que extravasam os pretos-brancos do estar” ‘tá-se bem, desde que não me faças encalhar o mordomo”.
(pausa e outro assunto)
Li agora a carta que a minha Isabel – é minha, sim! (nós, provincianos, somos muito possessivos) – mandou a um fulanito a quem as estradas de portugal convenceram que sabe e que sabe com piada. Disseram-lhe que pode dizer sempre o que lhe vai na gana de forcado de bezerros de leite. Falo do gajo cujo curriculum rebentou por erguer um galhardete num imaginário primeiro degrau dum elevador. Nada de importante, pois. A minha amiga – feita parva – resolveu coçar uma comichão que não estava lá. Fez a vontade à melga que não pode (porque não tem como) morder. À Isabel já mandei um fenistil-placebo (é nívea, não lhe contem), que não vale a pena gastar a pele com tão fraca desculpa.
(pausa)
Bem sei que o meu parentesco não diz nada, que o meu aval beirão nada acrescenta e tem forma de desplante. Sei que não fui educado entre apelidos, que sou malcriado por ter a desfaçatez de relatar fidedignamente as bolas que batem na trave. Ouvi que tenho a ousadia de dizer dia quando é noite. Sei também que tenho garras e que o meu polegar não se opõe à turma dos quatro.
(pausa)
Ainda assim, insisto: está sol, é de dia e daqui a pouco levo o meu filho à praia. Entretanto, o fel destila, mas o meu filho vai à praia na mesma.
Depois de uma temporada como comentador do saudoso BdE (ter sido comentador daquele blogue, do José Mário Silva, do Tcher e do Filipe Moura, é uma referência), isto em inícios de 2004, inventámos o afixe (o blogue da minha vida), que viveu entre Abril de 2004 e Janeiro de 2006 (na altura, a guerra era com o Abrupto, um blogue que hoje se dedica a bancos de jardim). A seguir veio o devagares que durou meia-dúzia de meses. Entre Setembro de 2006 e (se bem me lembro, que o o raio do blogue tem os arquivos todos marados) o final desse ano, fiz parte do Aspirina B. Pausei uns meses e, não sei bem quando, voltei com o bada bing!, cuja frequência foi assaltada. Em Março de 2008, fui convidado (a realidade alucinada diz que eu cheguei a implorar, já não me recordo se me ajoelhei) para o cinco dias, um blogue onde felizmente já não consto dos arquivos). Em 17 de Outubro de 2008, encontrei-me com esta gente boa. No entretanto, e até agora à laia de arquivo, criei, em Janeiro de 2010, o homem-garnisé..., o meu primeiro blogue a solo.
Actualmente, são estes os blogues que leio com prazer (blogues não-bélicos – ele há disso –, os que mais se afastam do ser-blogue nos tempos que correm): umblogsobrekleist, quem não acompanha a saga "Leituras em Lugares Públicos" não anda cá a fazer nada, Horas Extraordinárias, um blogue novo, se nos limitarmos ao tempo somado, gravidade intermédia, devia haver uma lei que obrigasse o besugo a escrever mais vezes, e A Causa Foi Modificada, dum idiota a quem aturo tudo, desde os posts com prazo de validade ao mau gosto de ter substituído o template mais horrível da blogosfera portuguesa (a verdade é que o tipo, com três pretos tomates gramaticais, pontapeia a língua portuguesa como ninguém).
Passados estes 6 anos (em tempo terreno equivalem a um filho e um neto e um bisneto a caminho), o blogue dos blogues, o melhor de todos, foi – e, venha o que vier, há-de ser –, de longe, este. As Ruínas Circulares, do João Pedro da Costa (que chegou a fazer parte do Afixe), verdade seja dita, não deviam integrar este meu ranking, dado que o autor era um extraterrestre.
Neste post, com mais links que palavras, falta-me falar do meu quando-for-grande-quero-ser-como-tu, com quem a iliteracia já me confundiu e honrou (digamos que eu estou para o Valupi como o futuro Nobel José António Saraiva está para o António José Saraiva) – só não o coloco à frente das Ruínas Circulares porque este post é dedicado a blogues e o Valupi é mais do que isso, trata-se dum gajo que pontapeia os animais que nos sujam os passeios, que escarra de alto nos dâmasos da vida (é por isso que não falo do Valupi uma única vez neste post, como podem reparar).
Resta-me falar dos amigos que por aqui ganhei: o João Paulo Pedrosa, dois metros de comprido e muitos mais de coração, a Isabel Moreira, a minha verdade alternativa, a Fernanda Câncio, com quem aprendi duas vidas, a Ana Matos Pires, a generosidade em forma de mulher, o João Cóias, comigo em todas as guerras, a Laura Abreu Cravo e o João Galamba, se Julieta e Romeu fossem hoje seriam assim, e a Alexandra Tavares-Teles, o meu grilo-falante.
Por causa dos blogues também perdi um amigo que não quero recuperar, porque há coisas que mais vale deixar estar. Falo do António (e só o nomeio para evitar confusões com dejectos moldados em forma de gente), alma com quem partilhei mais de meia vida de aventuras e desventuras.
PS - Quase me esquecia (é tarde e estou cansado!) de três pessoas sem as quais a minha bloga teria sido menos agradável: o Paulo Querido (a paciência em pessoa), a Jonas (a paciência em pessoa) e a Lucy Pepper (a paciência em pessoa, cujos quadros roubados no último segundo daquele leilão do ebay ainda ilustram a minha sala).
No meio disto tudo (durante isto tudo!), esteve e estará sempre a minha vida. E aquele outro ser que de nós veio, que saltita e me chama papá.
A minha avó, que me criou e me ensinou este meu fado de estar – estes maus fígados que me impedem o calar –, vive há dez anos para além da vida. Um acidente idiota, um médico incompetente, uma mulher que viveria até aos cem anos. Há dez anos numa cama, num sofá. Raramente a visito. Agora está no hospital, a oxigénio. Não me reconhece. Sou o menino dela e não me reconhece. Não a visito. Guardo dela a imagem de uma mulher forte, cuja vida foi interrompida, há dez anos, por uma puta de uma argola levantada numa tampa de esgoto. Tropeçou, caiu, partiu. Operaram-na. Deram-nos as indicações erradas – a folha que dão a todos (que nos deram), uma coisa de papel com letras escritas, não era para ela. Afinal, uma mulher daquelas não devia fazer "levantes". O peso!, o peso?, o peso!! (era pesada, hoje já não é) não aconselhava o tratamento habitual. E nós a forçá-la, anda-anda-anda. Levanta-te e anda e anda e anda. E ela andava, cheia de dores. O osso era fraco para tamanho peso. Há dez anos. Foi operada outra vez e a segunda anestesia matou-a. Enterrou-se num sofá. Dez anos passaram. Hoje está à espera, num hospital. E eu ainda não tive coragem de ir vê-la. Já deixei de esperar o que tu anseias (rezarás?). Vou lá amanhã. Talvez. A minha mãe diz-me para não ir. Ela não me reconhece e eu não a reconheço – falo de “reconheceres” diferentes. A minha avó está para morrer, dizem. A minha avó morreu há dez anos, digo. Não amparo este sentir e repudio-o com todas as minhas forças. Gostava de ajuizar diverso, que este meu abandono parece-me egoísta – traição ao “até que morte nos separe”. Quando é que se morre, afinal? A certificação das carpideiras?, a terra que nos tapa? Nunca me vais morrer, querida. Para os homens que passam certidões vais desaparecer um dia destes; para mim, embora o teu corpo já cá não esteja, não vais morrer nunca. Madrinha?, fazes-me uns ovos com chouriço? Madrinha?, tosse a tua tosse na missa a que me obrigavas a ir (toda gente sabia que estavas lá; era uma tosse que não posso adjectivar – acho que a forçavas – forçavas, sim? –, só para me dizeres que estavas ali e que não me abandonarias nunca). Madrinha?, emprestas-me dinheiro para comprar um livro? (gozavas-me, já eu adulto, quando recordavas o puto que nunca te pedia dinheiro dado). Não mereces o fim que a carne te deu. Que te está a dar. O reiródes (um homem mau, explicavas; só muito mais tarde percebi donde vinha a palavra) bembonda (como se não bastasse) tudo o que já te fez insiste em não te deixar descansar. Quero-te paz, minha mãe.
Não havia de ser nada. Afinal, já se ia habituando. Há mas é que dormir – fechar os olhos em faz-de-conta, que esta raça não dorme. Amanhã, as chaves haviam de voltar-lhe ao bolso. Já não era a primeira vez que os maus lhe faziam dói-doi. Aqueles aplausos mudos – mas se ele os via? – faziam-lhe salto alto. Andas (daquelas que permitem caminhar acima do solo) no espírito de um anão. Havia de lhe voltar tudo; a ele, que havia estudado na terra-do-nunca (tinha fotos que provavam a sua proximidade material aos irmãos iluminados, daqueles que não há cá).
Torpor, próximo das horas em que os homens dormem.
Canta o galo.
Ergue as pálpebras com alívio por mais aquelas horas que se tinham ido e esfrega os olhos. Sentia-se como novo. Arrastou-se (a coluna fazia-lhe falta) até à casa de banho e, com o piaçaba, esfregou os dentes na água da sanita, como sempre fazia desde a identificação plena que naquele sabor podre o seu permanecer havia encontrado.
Olhou-se e viu azulejo. No espelho da mamã – presente de aniversário – viu apenas a parede fronteira. Papel de parede a fingir azulejo. Virou à direita. À esquerda, depois. Enganava-se muitas vezes e se havia alguém a quem o admitia era ao seu amigo espelho-da-mamã. Procurou. Esfregou-se – e aos olhos. Viu de viés a moldura do espelho. Estava no primeiro sítio onde se havia olhado. Inspirou fundo e expirou de encontro à palma da mão para saborear o bafo – aquele som a merda que o mantinha vivo e lhe dava fomes. Ergueu-se do chão de alcatifa, onde repousavam minúsculos os seus contumazes irmãos acarídeos, e tentou de novo. Nada! Mais daquele amarelo eterno.
Estás estragado, marrano, viraste-te contra mim. Também tu. Dá-me as minhas cores pálidas de volta ou arrisco os sete anos de má-fortuna. À mamã digo que te encontrei assim.
Foi tomar os comprimidos, esperou pela moca, e voltou. Devolveu-lhe mais amarelo, o amigo da onça. Traidor.
Queixo-me à mamã, espécie de vidro mal parido, que este ser e não-ser não é razão para me negares. São cá coisas entre mim e deus-nosso-senhor-virgem-santíssima.
(Foi pedir conselhos aos inimigos dos seus inimigos, que amigos era coisa que não tinha)
Voltou cheio de unhas.
Devolve-me o meu reflexo!, ordenou.
(mais amarelo)
Arrancou-o da parede (contigo posso eu) e arremessou-o contra o linóleo roto atrás do bidé onde de noite se abluía e por donde já se erguiam ervas-daninhas (era o seu jardim possível); aquele chão que a moderna alcatifa não tinha conquistado (a mamã havia consentido, ordenando àquele homem, belo e hábil de mãos, para ali não chegar – atrás do bidé).
Antes de morrer, cortados os pulsos num estilhaço rombo do judas que imaginou partido, ouviu o espelho (continuava integro na parede) dizer: teve de ser. Tive que ser, fazer por mim, que um espelho é feito para mudar o reflexo que oferece à velocidade mansa dos anos que passam. E anos não são dias, como tu me fazias crer. Passavas demasiado depressa. Dou imagem a homens, lamento; um ser como tu que um dia é lusco (ao menos) outro dia é fusco não me devia ter violado dessa forma.
Devias ter-te limitado aos deleites que te davam o teúdo e manteúdo buraco de tijolo que guardas debaixo da almofada. Arriscaste-me a essência.
Lamento. Pela tua mamã.
Não é à pessoa.
Escrever é ir além do que se é; só quem o conhece pode destrinçar o ser que acorda e dorme. Não é o meu caso. Nunca vi Saramago e nunca ansiei por isso. Saramago era para mim um livro que se lê. Tão-só. E tão só o fiz quando o fiz. Cresci – de crescer (os anos não são para aqui chamados) – a lê-lo, ao Saramago-livro. Li o Memorial como quem vive uma vida. Saí dele diferente, como quem – por causa – se decide numa encruzilhada. Ele há disto? Que coisa é esta que me deforma & forma desta maneira intrusiva? Na altura, a anos-luz deste presente circunstancial, senti Saramago um escultor, moldando sentires na pedra bruta do meu ser. As palavras do Memorial têm cheiro e sabor e olhos. Ouvem e palpam. Lá estão e cá hão-de ficar para sempre, como parte de mim e de quem de mim veio e há-de vir.
Todos os Nomes. Ainda hoje aquele sou eu. Saramago tem o dom de nos transformar e de nos transformar também. De nos transformar porque não saímos diferentes da discussão, e de nos transformar também porque nos obriga ao protagonismo. Ordena-nos, como que sob ameaça, o papel principal. E lá andei (e ando) entre registos de nascimento e de morte. À procura.
Ensaio sobre a Cegueira. Ceguei primeiro (naquele semáforo) e fui o fingidor depois; Homem Duplicado, procurei; O Ano da Morte de Ricardo Reis, entrei vezes sem conta naquele quarto de hotel.
Não se traduz este sentir em palavras (tento): a minha angústia de hoje, a minha dor, resume-se (?) ao facto de não mais haver mais daquilo (disto), como que a extinção de uma espécie. Acabou-se o chilreio obrigatório e maçador e divertido e saltitante e definitivo (imaginem a vossa vida sem pardais). Da certeza da certeza (da minha) de que para o ano não sairá mais um – ainda que eu o venha a detestar (como aconteceu com Caim).
Caim. Com Caim, que eu (ainda abaixo da esperança média de vida, o que me retira autoridade) julguei escusado, senti (assim que o li) que Saramago dizia algo como "estou quase aí e continuo a não acreditar em ti, essa luz que até já vi [quatro pontos em forma dele, disse ele em entrevista] não pode ser, que eu sei que estou deitado naquela cama e que dali me levam metade para aqui e a outra metade para acolá. Às cinzas."
Assim o quero. Quem manda aqui sou eu. Assim como fiz Blimunda e Baltasar, Jesus a amar Madalena, ceguei o primeiro que cegou. Assim vos dou, eufemismo de marco-vos a ferros. Como vosso pai.
Com Saramago, o homem, foram-se hoje as esperanças de mais intrusões destas. A partir d’agora tenho a certeza de que as páginas não me comandam.
Foi só isto que se perdeu hoje. Este.
Doravante, ler será infinitamente mais cómodo. E aborrecido.
Uma última palavra (e detesto terminar assim) para os que crucificam Saramago ou o enforcam numa figueira, conforme o queiram cristo ou judas: o Saramago que ontem morreu, o dos livros, não tem direita ou esquerda. Foi sempre em frente. Leiam e odeiem ou amem. Ou então calem-se, que daqui não levam votos nem pedidos de mais hóstias ao padeiro.
Dia-sim, dia-sim, vou além da minha taprobana, a mesma que decidi ser a vossa – e o mínimo que vos exijo. Quem se devia do meu virtuoso pensar, reconhecido por sondagens à boca-de-urna, leva com a guilhotina que cai de forma selecta do meu mui douto umbigo. Pára!, devias ter vergonha dessa letra, dessa maiúscula, desse ponto que puseste final [.], quando todos os pensantes (eu) o sabem ponto e vírgula [;]. Faço provedoria take-away porque sou boa pessoa e me envergonha o vosso existir (a notório meio-metro do meu) – doses e meias-doses, para quem queira saber tudo ou apenas metade. Sou o remédio óbvio e necessário ao mundo que se desvia do trilho que me dei ao trabalho de (vos) traçar. Nunca erro e quando me engano logo integro o desacerto no livro de estilo do meu pensar – como se sempre lá tivesse estado. Se tropeço numa pedra, foi a pedra que tropeçou em mim. De longe em longe, penso que talvez tenha mal traçado, mas o orgulho do Adamastor que me faz (ou eu a ele) impede-me de deixar avançar além o ser ralé – ou aquém, depende da perspectiva. Sou o Houaiss universal. Certo que nem cebola suíça, digo: quem não vai por mim, não está cá bem (no mundo). Existo para além da montra, assim mo digo. Quando acordo, ouço a voz iluminada e trovejante que me impele: além, escolhido, além. Pastoreia-os!, és a luz!
“Quando alguém diz que já sabe, eu já tenho uma imensa discordância em potência”, Christopher Hitchens, "Pessoal... e Transmissível"
O povo doutros tempos dizia que quem não se sente não é filho de boa gente. Hoje, porque parece mal e paga pior, faz diferente. Neste tempo sem luvas (e não me refiro às exigências do tempo morno, mas ao focinho do filho-da-puta onde aquelas assentam bem — o século da afronta é eterno), neste tempo onde a ressentida bengalada nos cornos está tipificada como crime, onde os padrinhos só estão licenciados para exercer a sua função no baptistério, parece que é de bom-tom fazer de conta que o passado não se faz presente. Que não aconteceu. O estupor que nos socou ontem (ou aos nossos) deve ser hoje obscurecido pelo sol nublado da gravata pública que nos estica a mão — assim como quem segue para bingo sem ter feito linha.
Quem assim se deixa obrigar — porque e como sói — transforma uma estrela jovem em buraco negro. A pata deixada ao ar é pois um dever cósmico. De regulação universal, quero dizer, que a morte duma estrela é coisa grave.
Adorava ter ido a Quarta-Feira num Sábado. Uma fralda suja e uma birra não mo permitiram.
Exercício umbiguista: clique na imagem (não é obrigatório) para aceder a meia-dúzia de coisas que, por aqui e por ali, fui publicando.